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Paisagens nativas do Rio de Janeiro

Por Arthur Soffiati


A reconstrução da história da Terra antes que a família zoológica dos hominídeos se definisse, ou mesmo depois dela e antes do “Homo sapiens”, mostra apenas ecossistemas nativos, vale dizer, ecossistemas constituídos pela própria natureza não/humana e reunidos em três grandes conjuntos articulados que, não obstante o poder de transformação da ação coletiva humana em todos os sistemas de produção, continuam sendo fundamentalmente os mesmos:


  • 1- Os talassossistemas englobam os ecossistemas marinhos e, no seu conjunto, formam a talassosfera.
  • 2- Os epinossistemas são ecossistemas terrestres, como as formações vegetais nativas, por exemplo, e, reunidos, compõem a epinosfera.
  • 3- Os limnossistemas constituem-se dos ecossistemas aquáticos continentais, que podem ser lóticos (cursos d’água), lênticos (lagos) e ainda aquíferos. Eles formam a limnosfera.


Evidentemente, estes ecossistemas não se excluem. Antes, combinam-se e completam-se de forma complexa, combinação esta que pode ser expressa por meio de um circuito recursivo: 

talassosfera→epinosfera→limnosfera

↑_____________↑_____________↓


Uma lagoa de água doce no âmbito de uma ilha oceânica é um limnossistema encravado num epinossistema cercado por um talassossistema. Uma lagoa aberta para o mar pode ser considerada um limnossistema interfacial ao talassossistema dentro de epinossistemas. O quadro abaixo procura ilustrar a proposta de tipologia:

Tipos de ecossistema


José Lutzenberger, ao expor pela primeira vez no Brasil a Teoria de Gaia, concebida por James Lovelock, substituiu o consagrado conceito de biosfera, empregado para designar a totalidade dos ecossistemas do planeta, pelo de ecosfera, apontando seus quatro elementos constituintes, também em anel recursivo:


litosfera→hidrosfera→atmosfera→biosfera

↑__________↑_________↑_________↓


Não se pode esquecer das rochas e do ar quando se pretende pensar a vida e a base ecossistêmica das sociedades humanas. Contudo, os quatro conjuntos propostos por Lutzenberger só existem de forma abstrata e ideal. No concreto, eles se combinam em ecossistemas e estes se organizam nas três esferas mencionadas. Convém observar ainda que, na ausência do único animal capaz de promover grandes transformações na natureza nativa – o “Homo sapiens” –, estas se processavam por ação de asteroides a bombardear a Terra, de mudanças climáticas, de vulcanismo e de tectonismo. Nenhuma espécie, atuando individual ou coletivamente, logrou efetuar significativas mudanças nos ecossistemas, com exceção da nossa. Mesmo assim, a partir da revolução agropecuária do Neolítico, há cerca de dez mil anos antes do presente. Entre 200 mil e 10 mil anos, as escassas e diminutas sociedades paleolíticas (coletoras, pescadoras e caçadoras) pouco alteraram os ambientes nativos. Sua mais poderosa arma – o fogo – era encontrada na própria natureza e causava estragos, mesmo não usada por elas. Assim, os ecossistemas nativos dominaram a quase totalidade da história da vida e da humanidade.


As unidades geológicas do Rio de Janeiro


É evidente que o recorte administrativo da capitania-província-estado do Rio de Janeiro resulta de uma construção histórica. Ele é artificial e não obedece a realidade ambiental, como, de resto, aconteceu com todos os Estados Nacionais e suas divisões político-administrativas. No âmbito do que se denominou Rio de Janeiro, a partir do século XVII, encontram-se três tipos fundamentais de relevo. O mais antigo é a zona serrana, de origem pré-cambriana, com mais de 600 milhões de anos. O segundo é a Formação Barreiras, com cerca de 60 milhões de anos. Por último, a planície fluviomarinha (Ministério das Minas e Energia, 1983).


Afora a zona cristalina, que é autóctone, as outras duas são alóctones, ou seja, formadas a partir de material proveniente da primeira. Uma das características mais notáveis do relevo fluminense é o vale do rio Paraíba do Sul, encravado numa depressão entre as Serras da Mantiqueira e do Mar. Seus afluentes mais expressivos descem de norte para sul ou de sul para norte em direção ao rio principal.


A costa apresenta também peculiaridades (Muehe e Valentini, 1998). No sul fluminense, até a baía de Sepetiba, a Serra do Mar confina com as águas do Atlântico, em alguns pontos sem qualquer fímbria de areia formando praia. A maior ilha costeira – a Grande – localiza-se na baía de mesmo nome, cercada por uma constelação de outras menores. Na baía de Sepetiba, a alongada restinga da Marambaia é uma formação arenosa amarrada à costa e a um tômbolo (ilha capturada pela faixa de areia). Os afloramentos rochosos no continente e no mar (ilhas) voltam a marcar a costa na baía de Guanabara e suas imediações. A partir de então, rumo a leste, uma extensa restinga forma a chamada Região dos Lagos, despontando nela o promontório rochoso de Armação de Búzios, com todas as suas reentrâncias formadoras de belas praias.

Uma das Ilhas do arquipélago costeiro das Cagarras. Vários autores. “Atlas das Unidades de Conservação da Natureza do Estado do Rio de Janeiro”. São Paulo: Metalivros, 2001.


Sucedem-se planícies sedimentares e saliências rochosas até o rio Macaé. Daí até a margem direita do rio Itapemirim, no Espírito Santo, a costa assume feição distinta da de todo o litoral fluminense. Estudos recentes (Martin, Suguiu, Dominguez, e Flexor, 1997) mostram que a região hoje conhecida como Norte Fluminense era ocupada por uma vasta área de tabuleiros (Formação Barreiras), excetuando-se a restinga de Jurubatiba, em parte correspondente aos atuais municípios de Macaé, Carapebus e Quissamã, com cerca de 120 mil anos de idade. Este paredão argiloso recheado de concreções ferrosas foi erodido com a elevação do nível do mar, que chegou ao seu ponto mais alto em 5.100 anos antes do presente. Os tabuleiros foram cortados em três pontos e, nesses intervalos, formaram-se a planície fluviomarinha (conhecida como Baixada Campista), a maior restinga fluminense, entre a lagoa do Açu e a praia de Guaxindiba, e uma pequena restinga ao norte da foz do rio Itabapoana, no Espírito Santo.


Essa costa entre os rios Macaé e Itapemirim, nova, baixa e traiçoeira para a navegação, não conta com rochas cristalinas e com ilhas. Há apenas praias estreitas, praias de restinga e falésias da Formação Barreiras.

Único pináculo de falésia formado na Série Barreira no Rio de Janeiro. Ao fundo, a parede representada pelas falésias da praia da Lagoa Doce, entre os rios Guaxindiba e Itabapoana. Hoje não mais existe. Foto: Ricardo Ferreira Avelino.


Os ecossistemas aquáticos continentais


Dentre os rios fluminenses, o maior deles é o Paraíba do Sul, com 1.120 km de extensão e contando com uma bacia de 56.500 km2. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, três das mais importantes capitanias da Colônia, províncias do Império e estados da República, organizaram-se em torno dele, usando seu curso, inclusive, para estabelecer limites. Pela Serra da Mantiqueira, ele recebe, como principais afluentes, o Preto, o Paraibuna, o Pomba e o Muriaé. Pela Serra do Mar, os rios Piabanha e Dois Rios, para só mencionar os mais expressivos. Depois de atravessar a zona serrana, de tabuleiros e fluviomarinha, suas águas desembocam no mar, entre os atuais municípios de São João da Barra e São Francisco de Itabapoana.


No sul fluminense, os rios são pequenos em extensão e em volume d’água porque a distância entre os píncaros da Serra do Mar e a costa é muito estreita. De todos, destaca-se o rio Mambucaba. Na baía de Sepetiba, o mais importante rio é o Guandu. A baía de Guanabara recebe vários pequenos rios, merecendo atenção o Carioca (por sua importância histórica), o Pavuna, o Tinguá, o Inhomirim e o Macacu. 


A partir do rio Una, na Região dos Lagos, eles adquirem maiores proporções. O maior rio a correr inteiramente no território fluminense é o São João. Acompanhando a costa em direção a nordeste, deparamos com os estuários dos rios das Ostras, Macaé, Paraíba do Sul, Guaxindiba e Itabapoana, este último usado inteiramente como fronteira entre Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.


Merecem atenção especial as incontáveis lagoas de planície fluviomarinha, como as de Jacarepaguá, Camocim e Tijuca, Rodrigo de Freitas, Piratininga, Itaipu, Maricá, Jaconé, Saquarema, Araruama (a maior lagoa fluminense de água salgada), Juturnaíba, Iriri, Itapebussus, Imboacica, Jurubatiba, Comprida, Carapebus, Paulista, Preta, Feia (a maior lagoa fluminense de água doce), Açu, Salgada, Iquipari, Gruçaí, do Campelo e de Cima. Muitas outras poderiam ser mencionadas, pois o território fluminense era pródigo em lagoas costeiras, perdendo apenas para o território gaúcho.


Os biomas e os ecossistemas nativos do Rio de Janeiro


Para José Luís Soares (1993), bioma (bios=vida+oma=massa, proliferação) é a: “Denominação dada a cada uma das grandes comunidades-clímax da Terra, i.é., aos grandes grupamentos faunísticos e florísticos do globo, nos quais sobressaem espécies dominantes. A comunidade de uma floresta forma um bioma. O mesmo se aplica à comunidade de uma tundra ou de um deserto. Estas últimas também são comunidades-clímax, uma vez que atingiram o grau máximo de desenvolvimento que poderiam alcançar dentro das condições oferecidas pelo meio”. 


O World Wide Fund for Nature – Brasil (WWF-Brasil) identifica sete biomas no território brasileiro, conforme mapa abaixo:

Biomas brasileiros


Como se pode observar, o território fluminense foi historicamente construído sobre os biomas da Mata Atlântica e da Zona Costeira. Em livro clássico, Renato da Silveira Mendes (1950) reconhece, na Baixada Fluminense (por não ser objeto de sua investigação, a zona serrana não está incluída), as seguintes formações vegetais nativas: floresta tropical, campos, vegetação de brejo, mangue e vegetação de restinga. O pesquisador aproxima-se da atual classificação de ecossistemas no Rio de Janeiro. Voltando a Soares, ecossistema (oíkos=casa, ambiente+sistema) é a: “Designação de amplo sentido que vincula o sistema de relações mútuas existentes entre as espécies animais e vegetais que habitam uma região aos fatores físicos e químicos desse ambiente, tais como clima, luminosidade, temperatura, umidade, pressão, salinidade, pH etc. Compreende-se, assim, que todo ecossistema abrange fatores bióticos (fauna e flora) e fatores abióticos (elementos do meio). Complexo formado pelas espécies viventes e o meio físico-químico de certa área da biosfera, que se interrelacionam formando um todo”.


O ecossistema é a unidade básica para o estudo das ciências ambientais e para a compreensão da natureza em seu estado nativo e antrópico (modificado ou construído pelo ser humano). Os biomas, unidades apenas menores que a ecosfera, compõem-se de ecossistemas. Estudos recentes refinaram a classificação utilizada por Renato da Silveira Mendes. Tomemos o trabalho de Henrique Pimenta Veloso, Antonio Lourenço Rosa Rangel Filho e Jorge Carlos Alves Lima (1991) para nortear, a seguir, a classificação das formações vegetais nativas fluminenses.

 

O Bioma Atlântico

Campo de Altitude


Veloso, Rangel Filho e Lima dão ao campo de altitude a denominação de refúgio vegetacional ou de relíquia. Segundo eles, “Toda e qualquer vegetação floristicamente diferente, e, logicamente, fisionômico-ecológica também diferente do contexto geral da flora dominante na Região Ecológica ou no tipo de vegetação foi considerada como um ‘refúgio ecológico’. Este muitas vezes constitui uma ‘vegetação relíquia’ que persiste em situações especialíssimas, como é o caso de comunidades localizadas em altitudes acima de 1.800 metros”. 


A altitude, o substrato (muitas vezes rochoso) e o clima representam fatores limitantes que não permitem o desenvolvimento de vegetação arbórea. Isto não significa, contudo, que os campos de altitude apresentem biodiversidade pobre. Bem ao contrário, a diversidade de plantas e animais é elevada, comumente com espécies endêmicas restritas (que só correm naquele local). As dificuldades de acesso protegeram esta formação vegetal nativa.


Grande estudioso deste ecossistema, Gustavo Martinelli publicou livro com o registro deles no território fluminense. De sul para norte, sua investigação aponta os Campos da Bocaina, o Planalto de Itatiaia (onde se insere o Pico das Agulhas Negras), o Morro do Cuca, o Campo das Antas (de onde emerge o pico Dedo de Deus), o Pico do Frade e a Pedra do Desengano.

Campos de Altitude na Serra dos Órgãos


Mata Atlântica úmida


Este ecossistema é denominado pelos três autores como floresta ombrófila densa, o que equivale à floresta pluvial tropical. Como, em quase sua totalidade, as florestas amazônicas também são tropicais e úmidas, o “Mapa de Vegetação do Brasil” denomina este ecossistema, na Serra Atlântica, de floresta ombrófila densa atlântica. Floresta é uma formação vegetal nativa em que predominam árvores. Ombrófilo significa “amigo da chuva”. Densa, por seu aspecto compacto e complexo. De acordo com a altitude, este ecossistema apresenta as subcategorias aluvial, de terras baixas, submontana, montana e altomontana.


Os autores salientam que “a característica ecológica principal reside nos ambientes ombrófilos [úmidos] que marcam muito bem a ‘região florística florestal’. Assim, a característica ombrotérmica [umidade ligado a calor] está presa a fatores climáticos tropicais de elevadas temperaturas (médias de 25º C), e de alta precipitação, bem distribuída durante o ano (de 0 a 60 dias secos), o que determina uma situação bioecológica praticamente sem período biologicamente seco”. 


Em resumo, estamos diante da Mata Atlântica típica, que tanto encantou navegantes, viajantes e naturalistas europeus quanto pesquisadores brasileiros. Tecnicamente, ela se estende do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, acompanhando a costa brasileira. É um dos ambientes mais ricos em biodiversidade do mundo, neste caso, denominada de megadiversidade. Porém, sua destruição pela extração de pau-brasil, pelo plantio de cana-de-açúcar (“Saccharum officinarum”), pelo gado, pelo garimpo, pelo café, pela urbanização e pela industrialização reduziu a sua distribuição, estimada em 1.290.692,46 quilômetros quadrados em 1500, para apenas 95.000 quilômetros quadrados na atualidade, vale dizer, cerca de 7,3% da cobertura original. 

Aspecto da Floresta Ombrófila Densa Atlântica (Mata Atlântica Úmida). MONTEIRO, Salvador e KAZ, Leonel (coordenação geral). MELLO FILHO, Luiz Emygdio de (texto). MARIGO, Luiz Cláudio (fotos). “Floresta Atlântica”. Rio de Janeiro: Alumbramento/Livroarte, 1991-1992


Mata Atlântica estacional


Jorge Pedro Pereira Carauta e Elizabeth de Souza Ferreira da Rocha esclarecem, baseados em larga experiência de campo, que as formações florestais nativas das margens direita e esquerda do rio Paraíba do Sul revelam composições florísticas nitidamente diferentes. As da margem esquerda, conforme os autores, guardam semelhanças marcantes com as florestas do Espírito Santo. Com efeito, a fatores topográficos, climáticos e hídricos existentes à margem esquerda do rio Paraíba do Sul, do qual, no norte-noroeste fluminense, os rios Pomba e Muriaé sobressaem-se como os seus mais destacados afluentes, devem ser creditadas tais particularidades da fitofisionomia.


Entre a margem esquerda do Paraíba do Sul e a Serra da Mantiqueira, estendia-se, outrora, uma imensa mata que hoje se classifica como floresta estacional, isto é, que sofre influência nítida das estações do ano. Esta categoria pode dividir-se em duas: floresta estacional decidual e floresta estacional semidecidual. A primeira chega a perder mais de 50% de sua folhagem durante a estação seca, que é bastante longa. A segunda aclimatou-se a áreas em que o déficit hídrico é menor que na primeira, levando-a a perder entre 20 e 50% de suas folhas. Ela também pode ser classificada de acordo com a altitude: aluvial, de terras baixas, submontana e montana. É a estacional semidecidual de terras baixas que se espalhava nas duas unidades de tabuleiros e na atual região noroeste fluminense. Veloso, Rangel Filho e Lima explicam que “É uma formação encontrada frequentemente revestindo tabuleiros do Pliopleistoceno do Grupo Barreiras, desde o sul da cidade de Natal até o norte do Estado do Rio de Janeiro, nas cercanias de Campos bem como até as proximidades de Cabo Frio, aí então já em terreno quaternário (...) É um tipo florestal caracterizado pelo gênero Caesalpinia de origem africana, destacando-se pelo inegável valor histórico a espécie C. echinata, o pau-brasil, e outros gêneros brasileiros como: Lecythis que domina no baixo vale do rio Doce, acompanhado por outros gêneros da mesma família Lecythidaceae (afro-amazônica) que bem caracterizam esta floresta semidecidual, tais como Cariniana (jequitibá) e Eschweilera (gonçalo-alves). Para terminar a caracterização desta formação, pode-se citar o táxon Paratecoma peroba (peroba-de-campos) da família Bignoniaceae, de dispersão pantropical, mas com ecótipos exclusivos dos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais”. 


Entre as Serras do Mar e da Mantiqueira, no atual noroeste fluminense, o índice pluviométrico é menor que na Serra do Mar porque o vale se abre para os ventos marinhos, notadamente o vento nordeste. As nuvens que se formam sobre o mar são varridas pelo vento e passam pelo vale sem esbarrar em obstáculos de expressão até chegarem à Serra da Mantiqueira, onde encontram ambiente para se precipitarem na forma de chuva. Assim, a mata estacional semidecidual que se desenvolveu nos tabuleiros hoje ocupados pelo município de São Francisco de Itabapoana e na zona cristalina baixa do noroeste fluminense não apresenta a umidade da mata atlântica ombrófila densa da Serra do Mar, pois esta, por sua altitude, captura nuvens e as converte em água. Da mesma forma, há mais umidade no tabuleiro existente entre a Serra do Mar e a Restinga de Jurubatiba, entre Campos dos Goytacazes e Macaé, visto que a umidade da mata densa transferia-se em parte para ele. Aí, a floresta estacional semidecidual perdia folhas por menos tempo durante o ano. Também neste tipo de vegetação, a biodiversidade é elevada, não se distinguindo muito daquela associada à floresta ombrófila densa atlântica.

Aspecto da Mata Estacional Semidecidual de Terras Baixas, na bacia do rio Guaxindiba. 
Foto de Dina Lerner (1992)


O Bioma Costeiro


Sob esta denominação, reúnem-se ecossistemas os mais diversos, como costões rochosos, campos de planície aluvial, vegetação de restinga e manguezais, no caso do Rio de Janeiro, todos tendo ao fundo – mais perto ou mais longe – a Serra do Mar. Afora os costões rochosos, Veloso, Rangel Filho e Lima denominam os outros ecossistemas costeiros de sistemas edáficos de primeira ocupação ou simplesmente de Formações Pioneiras. Para eles, “Trata-se de uma vegetação de primeira ocupação de caráter edáfico, que ocupa terrenos rejuvenescidos pelas seguidas deposições de areias marinhas nas praias e restingas, os aluviões fluviomarinhos nas embocaduras dos rios e os solos ribeirinhos aluviais e lacustres”.

 

Costão Rochoso


Os costões rochosos só existem nas partes do litoral em que rochas consolidadas situam-se no encontro da epinosfera com a talassosfera, embora mais associados a esta que àquela, visto que a maioria dos organismos que neles vivem relacionam-se ao mar. Não obstante sua fisionomia pareça simples, este ecossistema apresenta complexidade e alta biodiversidade. Ele pode ser formado por paredões verticais uniformes que emergem e imergem muitos metros acima e abaixo da superfície da água tanto quanto por fragmentos de ligeira inclinação. Pode-se considerar o costão rochoso um ecossistema característico da Região Sudeste, onde a costa é acentuadamente recortada, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro, nas costas sul, central e centro-leste. Ele desaparece entre os rios Macaé e Itapemirim, trecho em que a costa se afasta da Serra do Mar.


Os costões rochosos são o mundo das algas verdes, vermelhas, pardas e azuis, das esponjas do mar (animais do ramo Porífero), das anêmonas (ramo Cnidária), dos moluscos com e sem carapaça (ramo Molusco), dos vermes parentes da minhoca (ramo Anelídeos), dos caranguejos, dos camarões e das cracas (ramo Crustáceo), das estrelas-do-mar e dos ouriços-do-mar (ramo Echinodermato), das ascídias (ramo Urochordato) e dos peixes.

Costão Rochoso em Cabo Frio. RIZZINI, Carlos Toledo, COIMBRA FILHO, Adelmar F. e HOUAISS, Antônio. Ecossistemas Brasileiros. Rio de Janeiro: Index, 1988.


Vegetação de Planícies Aluviais


Os três autores que vêm balizando esta síntese sobre as paisagens do Rio de Janeiro antes que qualquer humano (asiáticos e europeus) nele assentasse os pés, classificam os campos nativos de planície aluvial como “Comunidades vegetais das planícies aluviais que refletem os efeitos das cheias dos rios nas épocas chuvosas, ou, então, nas depressões alagáveis todos os anos”. A planície aluvial foi decantada científica e literariamente por Alberto Ribeiro Lamego, que a ela dedicou seu mais célebre livro. 


Nas partes mais altas dessas planícies, a diminuição do teor de umidade permite o crescimento de matas higrófilas (amigas de umidade), nunca, entretanto, em larga extensão. No Rio de Janeiro, os campos nativos e as matas higrófilas encontraram ambiente favorável ao seu desenvolvimento nas vastas planícies dos rios São João, Macaé e Paraíba do Sul. Nesta última, ocorria o maior campo nativo do território fluminense. Ele foi a área escolhida pelos índios goitacás pela fartura de alimentos. Nele, iniciou-se a primeira experiência contínua de colonização europeia pelos chamados Sete Capitães, no século XVII, que ficaram fascinados com a vegetação herbácea fornecida gratuitamente pela natureza para a criação de gado.


Atualmente, pesquisas em palinologia (ciência que estuda pólen) procuram levantar a composição florística desses campos no norte fluminense.

 

Vegetação de Restinga


Comumente, confunde-se restinga com vegetação de restinga. A primeira é uma formação geológica e geomorfológica de origem marinha. Movimentos do mar transportam sedimentos de areia que se acumulam na costa. Para Leinz e Mendes, “Depósito de areia emerso, baixo, na forma de língua, fechando ou tendendo a fechar uma reentrância mais ou menos extensa da costa.” Suguiu observa que, “No Brasil, esta palavra tem sido utilizada indiscriminadamente referindo-se a todos os tipos de depósitos arenosos litorâneos que, na realidade, constituem variadas feições deposicionais.”


Já a vegetação é formada por plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas de origem terrestre que sofrem influência do substrato arenoso, dos ventos e da salinidade transportada da água e do vento. Esta vegetação desce dos ecossistemas situados na retaguarda da restinga, sendo as espécies selecionadas pelos fatores limitantes apontados e distribuída por zonas. 


No Rio de Janeiro, as restingas se mostram mais relevantes na baía de Sepetiba (restinga da Marambaia), na região dos Lagos e no Norte Fluminense, onde se encontram as duas maiores restingas do território fluminense. A do sul, mais antiga geologicamente, estende-se de Macaé a Quissamã. A do norte, a mais dilatada de todas, posto que bem recente, vai do Cabo de São Tomé à Praia de Manguinhos. Sua biodiversidade é elevada, conquanto não seja esta a impressão do leigo.


Associadas às planícies aluviais, estas formações fluviomarinhas, povoadas de lagoas, foram o ambiente favorito dos povos nativos e dos europeus, nos primórdios da colonização. José Augusto Drummond explica que as planícies  e não as montanhas florestadas, como costumeiramente se pensa,  foram preferidas quer pelos povos indígenas quer pelos europeus.

Vegetação típica de restinga entre o rio Macaé e o cabo de São Tomé. Vários autores. “Atlas das Unidades de Conservação da Natureza do Estado do Rio de Janeiro”. São Paulo: Metalivros, 2001

Manguezais


Considerado por Veloso, Rangel Filho e Lima vegetação com influência fluviomarinha, assim como os campos salinos, o manguezal exige uma conceituação mais complexa. Podemos dizer, neste sentido, que é um ecossistema situado entre a epinosfera, a limnosfera e a talassosfera, mas não um ecossistema de transição entre elas. O manguezal tem unidade e coerência internas. Ele não é um ecótono, ou seja, um ambiente de transição entre ecossistemas ou biomas. Embora aberto para a terra, para a fonte de água doce e para o mar, o manguezal organiza os elementos das três macroesferas e os reúne numa estrutura singular que o distingue dos ecossistemas de água doce, de água salgada e terrestres. Ao mesmo tempo, ele se auto-organiza, como de resto acontece com todo ecossistema. O manguezal é um ecossistema que ocorre apenas na zona intertropical, com incursões no norte do Trópico de Câncer e ao sul do Trópico de Capricórnio. Os ambientes adequados para o desenvolvimento deste ecossistema são estuários e lagoas costeiras, estas preferencialmente comunicando-se periodicamente com o mar e contando com uma fonte de água doce a montante.


No território fluminense, os manguezais se estendem do seu limite sul ao seu limite norte. Na acidentada costa sul, os pequenos rios tendem a formar exíguas planícies sedimentares, meio bastante propício para o crescimento de manguezais ribeirinhos, o tipo clássico deste ecossistema. Nas baias de Sepetiba e da Guanabara, sua ocorrência está associada aos seus pequenos rios afluentes. Na Região dos Lagos, sobretudo nas praias protegidas de Arraial de Búzios (Rasa, Manguinhos, Foca), os manguezais tendem a assumir o tipo de borda ou de franja, crescendo na faixa de praia ou sobre pedras. Esta formação se explica pela baixa salinidade das águas marinhas e pela baixa energia oceânica.


No litoral norte, encontram-se expressivos manguezais nos estuários dos rios São João, das Ostras, Macaé, Paraíba do Sul, Guaxindiba e Itabapoana. Há ainda manguezais em lagoas costeiras, sendo algumas antigos rios barrados naturalmente pelo mar; outras, paralelas à costa, com abertura periódica para o meio marinho.


A vegetação típica dos manguezais é formada por espécies exclusivas deste ecossistema, como os mangues branco (“Laguncularia racemosa”), vermelho (“Rhizophora mangle”) e preto (“Avicennia germinans” e “A. schaueriana”). Elas se adaptaram a ambientes com teores de sal elevados que eliminam suas concorrentes. Mesmo assim, há espécies vegetais associadas que medram em seus arredores. O solo é lodoso e habitado por rica diversidade animal, como caranguejos, siris, camarões, peixes, répteis, aves e mamíferos. A abundância de alimento dos manguezais exerceu forte atração sobre os povos nativos pré-cabralinos e sobre a população pobre do Brasil até hoje.


No Rio de Janeiro, as maiores áreas de manguezal situam-se na baía de Guanabara e na foz do rio Paraíba do Sul.

Manguezal no Saco de Mamanguá, Parati. FAJARDO, Elias (texto) e ALCÂNTARA, Araquém. “Mamanguá: berçário marinho e reduto tradicional de caiçaras”. São Paulo: Editora do Autor, 2005.


***

Montanha, tabuleiro, planície e ilhas. Rios, lagoas e mar. Florestas, campos nativos, vegetação de restinga e manguezais. Eis as paisagens que serão habitadas pelos ameríndios e pelos europeus, seja em condições de equilíbrio, seja de forma destrutiva. 


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  • VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL FILHO, Antonio Lourenço Rosa; e LIMA, Jorge Carlos Alves. 1991. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.


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