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Baixo dos Pargos

Por Arthur Soffiati

Prefaciando a segunda edição de “Província do Espírito Santo”, livro de Basílio Carvalho Daemon, o historiador Estilaque Ferreira dos Santos retoma a questão que preocupou em demasia os historiadores do século XIX: o descobrimento.

Depois de várias considerações, ele conclui: “... não descartamos a hipótese de que outras navegações, quer portuguesas, quer de outros estrangeiros, tenham também frequentado, portanto reconhecido, o nosso litoral, no período anterior ao início da colonização em 1535. Nesse caso, todavia, é completamente certo que não deixaram registro desse feito, pelo menos não na documentação a que tivemos acesso.”

O território das capitanias do Espírito Santo e de São Tomé, de fato, não mereceram muita atenção dos europeus, sobretudo de Portugal, o “dono” da terra pelo Tratado de Tordesilhas. Estilaque Ferreira dos Santos credita esse desconhecimento ao perigo que representava o baixio dos Abrolhos, na verdade um arquipélago raso oriundo do recuo do mar depois de 5000 anos antes do presente. 

Para evitar encalhes e colisões com o fundo alto, os navios europeus do século XVI empreendiam a operação de se afastar da costa, chamada de “volta do mar”, para retornar a ela na altura de Cabo Frio, argumenta o autor.

Pelo visto, a expedição de 1501 nomeou os acidentes da costa do Brasil. Para tanto, era preciso navegar junto ao litoral a título de reconhecimento. O Espírito Santo e o norte do futuro Rio de Janeiro foram mapeados. Os baixios foram reconhecidos com primor. Encalhe de navios era comum. A perda deles também. Isso nas costas africanas e americanas.

O mapa da América do Sul no Atlas Miller, de 1519, tem assinalados o rio das Virgens, Porto Seguro, rio do Brasil, monte Pascoal, rio de São Jorge, cabo do baixo Abrolhos e baía de Santa Luzia, entre o início e o fim dos Abrolhos. Parece que o baixio não impediu o trabalho de batismo dos acidentes do litoral, ainda que, posteriormente, eles tenham sido rebatizados. E o mapa continua dando nomes aos acidentes. Aparecem o baixo dos Pargos, o cabo de São Tomé, baía do Salvador, rio do Gado, Cabo Frio e outros mais.
Brasil no Atlas Miller
Não se pode descobrir o que não existe. Em 1500-1501, Pedro Álvares Cabral e Gaspar de Lemos (se coube a ele o comando da expedição junto com Cristóvão Colombo) não descobriam o Brasil nem o Espírito Santo nem o Rio de Janeiro porque eles não existiam. Os navegadores chegaram a terras ainda desconhecidas ou suspeitadas dos europeus, que as batizaram.

Assim, parece que o território correspondente ao Espírito Santo e ao norte do Rio de Janeiro já eram conhecidos antes da década de 1530. Era natural que ainda estivesse mal palmilhado. Contudo, é surpreendente que o mapa de 1519, apenas duas décadas após a chegada de Cabral, seja tão detalhado. É impressionante o registro do baixo dos Pargos, do cabo de São Tomé, do topônimo Salvador e rio do Gado. Esses nomes aparecerão inúmeras vezes nas cartas posteriores. 

Dos perigos para a navegação, sem dúvida, sobressai-se o arquipélago dos Abrolhos (Abre Olhos, segundo os navegantes). O segundo grande temor dos europeus era o cabo de São Tomé, onde o baixio de areia avança muito no mar ainda hoje. Considerando que a erosão marinha ainda não havia provocado os mesmos desgastes que hoje verificamos, o baixio devia ser ainda mais alto no século XVI. 

Em seu diário de navegação, Pero Lopes de Sousa o menciona na viagem que fez levando Martim Afonso de Sousa, seu irmão, que deveria receber a capitania de São Vicente logo a seguir. Nessa viagem vinha também Pero de Gois, futuro donatário da capitania de São Tomé. Pero Lopes de Sousa escreve Baixo dos Parguetes. Durante muito tempo, esse parcel será temido pelos navegantes.

Ele foi colocado como limite norte da capitania de São Tomé, também limite sul da capitania do Espírito Santo. Pero de Gois e Vasco Fernandes Coutinho não conseguiram localizá-lo com precisão, escolhendo ambos uma divisa mais clara. Escolheram o rio Itapemirim. O acordo foi aprovado pelo rei de Portugal. 

O Baixo dos Pargos ainda figurará em outras cartas do século XVI. Na segunda metade dele, o grande cartógrafo Luís Teixeira o registra em seu primoroso mapa do Brasil dividido em capitanias hereditárias. No mapa de Michel Mercator, datado de 1620, ele está assinalado na mesma proporção do arquipélago de Abrolhos.
Mapa de Michel Mercator - 1620
No século XVIII, as falésias da Formação Barreiras aparecem como Barreiras Vermelhas no lugar do baixio. As barreiras constituem um terreno datado de período Terciário em que a argila é um componente de suma importância. Com o embate do mar sobre elas, a erosão forma paredões, pináculos e ilhas. As falésias são os paredões. Os pináculos são pontas isoladas no mar que revelam sua ligação com as falésias. As ilhas derivam de partes mais resistentes das falésias ou pináculos que ficaram com suas partes altas emersas com o avanço do mar.
Carta de Johann Baptiste Homann – 1725.
Aos poucos, o baixo dos Pargos foi desaparecendo da cartografia. Ele era importante para as naus dos séculos XVI, XVII e XVIII. Assim como Pero de Gois teve dificuldade em localizar o parcel indicado para ser a divisa entre as capitanias de São Tomé e do Espírito Santo, os geógrafos e historiadores também não conseguem localizá-los. Usando o Google Earth, cremos que ele se situa entre os rios Itapemirim e Itabapoana a 21º 09’ de latitude sul e a 40º53’ de longitude oeste. Seu centro é a ilha das Andorinhas, a única até o rio Macaé, defronte de cuja foz encontra-se o arquipélago de Santana. A ilha das Andorinhas resulta da erosão de falésias pelo mar. Em seu entorno, existem terrenos que deveriam aparecer mais nitidamente aos navegantes do século XVI. A ilha tem baixa altitude e seu entorno está à flor do mar, chegando a elevações iguais a zero. De fato, um verdadeiro perigo para a navegação de cabotagem.
Baixo dos Pargos no Google Earth
Leituras

PEREIRA, Moacyr Soares Pereira. A navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio. Rio de Janeiro: ASA Artes Gráficas, 1984.

SANTOS, Estilaque Ferreira dos. Prefácio a DAEMON, Basílio Carvalho. Província do Espírito Santo: sua descoberta, história cronológica, sinopse e estatística, 2ª edição. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2010.

SOUSA, Pero Lopes de Sousa. Diário de navegação. Cadernos de História, volume I. São Paulo: Parma, 1979.

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