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Franceses e belgas no norte-noroeste fluminense


Por Arthur Soffiati

Portugueses chegaram à parte de um continente que foi batizado com o nome de América. Essa parte recebeu o nome particular de Brasil. Os portugueses eram imigrantes tanto quanto os asiáticos que foram encontrados por Cabral, com a diferença que esses asiáticos, chamados de índios e agora de originários, no esforço de ser politicamente correto. Na verdade, eles não se originaram na América. Vieram da Ásia, mas chegaram primeiro que os europeus. Portanto, são pioneiros e não originários. Depois, vieram africanos de diversas etnias. Não por conta própria para morar pacificamente ou para conquistar, mas para o trabalho compulsório. Durante muito tempo, foram chamados de escravos, mas entendeu-se que esse substantivo passava a ideia de que eles nasceram para essa condição de trabalho compulsório. Hoje, diz-se que foram escravizados. Outros povos chegaram como colonos mais tarde. Alemães, suíços, belgas, italianos, açorianos, árabes, chineses e japoneses. Em menor escala, houve a migração de franceses. 

Embora a França tenha exercido grande influência cultural no Brasil, a presença física de franceses como imigrantes foi pequena quando comparada à migração italiana, suíça, alemã, libanesa, chinesa e japonesa. No norte-noroeste fluminense, franceses e belgas vieram atraídos por promessas de melhores condições de vida em colônias agrícolas ou como empresários no setor agroindustrial açucareiro ou ainda no comércio. 

A iniciativa de criar uma colônia belga em Pedra Lisa, zona serrana baixa de Campos entre os antigos sertões do Nogueira, de Cacimbas e da Onça, partiu do governo provincial do Rio de Janeiro em consórcio com a iniciativa privada. Em 1842, o presidente da província contratou o belga José Nellis com vistas à instalação de uma colônia agrícola no entorno da Pedra Lisa, uma das mais belas formações pedregosas da Serra do Mar. 

Em 1844, 119 colonos belgas se instalaram nos arredores de Pedra Lisa para o desenvolvimento de um projeto agrícola, mas poucos tempo permaneceram na área, provavelmente pelo hiato entre as promessas de uma terra paradisíaca e a realidade. O primeiro trabalho a ser executado num terreno fortemente ondulado foi a remoção da floresta, que gerava lenha e madeira, mas expunha o solo a intempéries. A colônia situava-se entre as bacias dos rios Guaxindiba e Itabapoana. A erosão provocava o assoreamento dos poucos cursos d’água. Uma das plantas escolhidas para o cultivo foi o café.

A colônia existiu durante pouco mais de um ano. Os belgas a abandonaram, permanecendo nela apenas o contratante: Ludgero José Nellis (LAMEGO, Alberto Ribeiro Lamego. A terra goitacá tomo V. Niterói: Diário Oficial, 1942).

Pedra Lisa. Foto do autor

Outra tentativa de instalar uma colônia agrícola com franceses foi tentada em Valão dos Veados, em São Fidélis. Em mapa de 1854, que atualizava as alterações feitas a partir da carta de 1846, formulada por ordem de Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, então presidente da Província do Rio de Janeiro, aparece pela primeira vez, junto ao rio Dois Rios, a colônia Valão dos Veados. Não há a informação se se trata de um córrego, de uma fazenda ou de um povoado. 

Planta da direção do canal de Campos a Macaé de 1846, por ordem do Presidente de Província Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, com atualização de 1854  

Maria Isabel de Jesus Chrysostomo informa que cerca de 160 documentos relativos a essa colônia foram descobertos no Fundo Valão dos Veados, depositado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e publicado em relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro para os anos de 1835 a 1871. O empresário Eugênio Aprígio da Veiga assinou, em 1845, um contrato com o governo imperial brasileiro para importar e instalar colonos europeus na fazenda Valão dos Veados, na freguesia de São Fidélis, Termo de Campos. Estudos têm mostrado que a pressão cada vez maior contra o tráfico atlântico de africanos como escravos levou os traficantes ou para o tráfico ilegal ou para a criação de colônias com trabalhadores europeus e orientais, sempre oferecendo condições melhores que aquelas em que viviam os futuros migrantes em suas pátrias. Em relatório da Sociedade da Colônia Agrária Vallão dos Veados, de 1853, informa-se que havia nela 62 brasileiros, 178 portugueses, 33 franceses, 13 belgas, 7 alemães, 5 espanhóis e 2 italianos. A área da colônia é irrigada principalmente pelo rio Dois Rios, outrora denominado rio de Gentio e mais tarde também rio Grande. Era toda recoberta pela Mata Atlântica no seu aspecto estacional semidecidual. Dessa mata, vieram a lenha e a madeira para os colonos. Produzia-se cana, café, mandioca, milho, feijão, arroz, além da criação de porcos para subsistência.

Franceses de sobrenome Vianney, Poutis, Roussier etc fixaram-se na colônia Valão dos Veados (CHRYSOSTOMO, Maria Isabel de Jesus. “Os colonos franceses da colônia Valão dos Veados - 1845-1854. In: VIDAL, Laurent e LUCA, Tania Regina de (orgs). São Paulo: UNESP, 2009). O nome Valão dos Veados foi substituído por Colônia, o que é bastante sintomático, já que ali se instalou uma colônia. Pesquisadores localizaram recentemente o valão dos Veados, assim como representantes da família francesa Panisset.

Já o caso de Pureza é diferente. Não houve nenhuma iniciativa de fundar no atual 3° distrito de São Fidélis uma colônia agrícola com brasileiros ou estrangeiros. A localidade ergueu-se às margens da estrada Ouro Preto-Campos, aberta, no trecho do Rio de Janeiro, em 1809 (CAPELLA, Maria Joana Neto; CARRARA, Angelo Alves e CASTRO, José Flávio Morais. A estrada geral de Minas a Campos dos Goytacazes. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2021). A estrada corria na margem esquerda do rio Paraíba do Sul entre a atual Aperibé e o pontal formado pelo encontro do rio Muriaé com o Paraíba do Sul. Em Pureza, havia um antigo engenho de açúcar suplantado por engenho central moderno vindo da França. Como se dizia na época, a fábrica foi montada do pé, ou seja, sem aproveitar nenhuma construção anterior. A firma vendedora foi a francesa Cail, que enviou para Pureza a estrutura do prédio, a maquinaria, os engenheiros e os operários. Essa experiência insere-se na modernização da agroindústria sucroalcooleira, que começou a partir de 1870 no mundo. 

Franceses permaneceram em Pureza findos os trabalhos de montagem do engenho central. Muitos constituíram famílias casando-se com brasileiras, mas mantendo os sobrenomes, com assinala Nelzimar Lacerda. Os nomes franceses permanecem em pessoas que ainda vivem em Pureza ou saíram para outros lugares do norte-noroeste fluminense. Para mais longe até, como Pointis, Panisset, Gaudard, Crellier, Signourel, Boynard, Eccard, Grosjean, Veichard, Louvain, Falquet, Saint Jean, Lummay, Poget, Jaillerat (LACERDA, Nelzimar. Usina Pureza e Vila de Pureza. São Fidélis: 6 de outubro de 2018). O grupo de pesquisadores que visitou Pureza recentemente efetuou registros no Engenho Central de Pureza, na vila de Pureza e no seu cemitério.

Fachada do Engenho Central de Pureza. Foto do autor

A pesquisadora Larissa Manhães, de maneira bastante documentada, arrolou outros empreendimentos. Em 1900, o engenho central de Tocos foi adquirido pela Sucrerie du Cupim, que, em 1907, passou a denominar-se Societé Sucrerie Bresilienne, empresa francesa que possuía também a Usina do Cupim. Victor Sence, igualmente francês, trabalhou numa das usinas da Societé, montando depois sua própria usina em Conceição de Macabu (MANHÃES, Larissa. Industriais franceses. Comunicação oral: 11/08/2022).

Por sua vez, Laurent Vidal fez uma comunicação sobre a presença francesa no comércio de Campos dos Goytacazes, assim como as relações comerciais entre França e norte fluminense por via diplomática. A França manteve um sub-consulado em Campos. 

Interior da Joalheria Renne, Campos dos Goytacazes

Por fim, há o caso interessante de Alexandre Bréthel. Jovem, ele recebeu proposta de trabalhar no que seria o noroeste fluminense. Ele não estava encontrando oportunidade de trabalho na França. Aceitou o convite, pensando passar alguns anos no Brasil e retornar a sua pátria. Acabou ficando e vivendo no vale do rio Carangola entre 1862 e 1901. Nunca retornou ao seu país natal nem mesmo para visitar sua família. Aqui casou, teve filhos e morreu como proprietário rural. Foi sepultado em Porciúncula. Houve outros casos semelhantes ao seu. Contudo, Bréthel se destacou por manter uma longa correspondência com seus parentes, sobretudo com um tio. As cartas foram analisadas por Françoise Massa na sua tese de doutorado, que se transformou no livro “Um francês no vale do Carangola” (Belo Horizonte: Crisálida, 2016).


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