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O manguezal de Rio das Ostras

 Por Arthur Soffiati

Conheci Rio das Ostras em 1959. Havia no lugar apenas uma colônia de pescadores. Eu tinha 12 anos e não me interessava por manguezais, embora um pequeno manguezal na Ilha do Mel, Baía de Paranaguá, muito me impressionasse quando eu era criança.

  Por várias vezes, estive em Rio das Ostras, vendo a colônia de pesca ser engolida pela cidade, mas só conheci o manguezal do rio nos anos de 1990, acompanhando a pesquisadora Norma Crud. Já cursando o doutorado, entre 1997 e 2001, passei dois dias na cidade estudando o manguezal pelo prisma da história ambiental. Notei que o mangue preto ou siribeira existente nele é a "Avicennia schaueriana" e não a "A. germinans", cuja distribuição geográfica, no sul do Oceano Atlântico oriental, situa-se no rio Macaé, há poucos quilômetros dali.

O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire passou por ele em 1818 e fez o seguinte registro: "O Rio das Ostras não tem mais de 2 léguas de curso. Pequenas embarcações podem, contudo, entrar por sua embocadura, porém somente aproveitando a maré alta. Segui esse rio num espaço de algumas centenas de passos, notando que ele é margeado por mangues." É de se perguntar por que ele não mencionou os manguezais dos rios São João e Macaé, bem maiores.

Com cerca de 30 quilômetros de extensão, o rio das Ostras tem sua nascente nos seus dois principais afluentes, correndo em terreno de baixa altitude. Seu curso acima da RJ-106 foi visivelmente canalizado pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, constituindo essa intervenção um dos maiores impactos antrópicos sofridos pelo ecossistema hídrico. A pequena declividade do curso permite que a influência das marés alcance cerca de um quinto de sua extensão e crie condições favoráveis à formação de um manguezal.

Rio das Ostras pressionado pela urbanização no seu curso baixo

No geral, o manguezal do rio das Ostras sofre dos problemas mais comuns que afetam os manguezais no Brasil: corte de árvores, expansão urbana desordenada em área ilegal, lançamento de esgoto e disposição de lixo. A Área de Preservação Permanente, em suas margens, reduz-se a dimensões exíguas, barrada completamente em vários pontos por casas com parte dos alicerces dentro do leito do rio. E não apenas construções feitas por pessoas de baixa renda, mas também residências de moradia ou veraneio com ancoradouro para lanchas. Na margem esquerda, a jusante da ponte da rodovia RJ-106, obras de dragagem acumularam areia retirada do fundo do rio, criando um obstáculo para o espraiamento das águas quando a maré sobe. Paralelamente à margem, foi feito um aterro com material argiloso para a construção de uma rua. Essa via vem facilitando o adensamento urbano periférico e desordenado entre o rio e uma elevação: erguem-se habitações de baixa renda de ambos os lados da rua, isolando fragmentos do manguezal, não mais alimentados pelas marés. Aí, acumula-se o lixo na margem e no leito do rio.

Mais adiante, a rua corre entre remanescentes de vegetação de restinga e o manguezal estropiado, tornando-se bastante escorregadia. Ao longo de todo o curso percorrido, ora pela margem esquerda ora pela direita, encontram-se vários pontos de lançamento de esgoto, funcionando o rio como um interceptor. Alguns desembocam por tubulações de grande diâmetro; outros se reduzem a filetes de língua negra a céu aberto. O lixo, como costuma acontecer nesse tipo de ecossistema, é constituído de embalagens metálicas, de plástico e de vidro, com a presença de pneus, móveis velhos e os mais inusitados utensílios, produzindo efeito visual extremamente desagradável. Observa-se que os poços perfurados nas proximidades do rio fornecem água com coloração amarelada, possivelmente contaminada pelo lençol freático.

 

Aspecto do baixo curso do rio das Ostras visto da foz para nascente. Entre a elevação e o curso hídrico, erguem-se casas da baixa renda na estreita margem, toda ela Área de Preservação Permanente

Ao longo do trecho percorrido, encontram-se exemplares de mangue branco ("Laguncularia racemosa"), como de hábito, a espécie mais frequente nos manguezais do Norte Fluminense e da Região dos Lagos, de mangue vermelho ("Rhizophora mangle") e de mangue preto ("Avicennia schaueriana"), esta última apenas nas proximidades da foz.

A maior parte dos indivíduos está emitindo flores e sementes (propágulos), o que revela a vitalidade do manguezal e a sua capacidade de autorregeneração, caso haja condições favoráveis para tanto. Existem duas amostras mais significativas do ecossistema. A primeira situa-se logo a montante da ponte sobre a rodovia RJ-106. Nela, domina o mangue branco, encontrando-se também inúmeros exemplares de mangue vermelho, com todos os adultos florescendo e frutificando. Anota-se, igualmente, a presença de alguns pés de mololô ("Annona glabra") com frutos e de rabo-de-galo ("Dalbergia ecastophylla").

Uma parcela dessa amostra, todavia, apresenta árvores de mangue branco e de mangue vermelho mortas e secas. Ao que parece, não se pode atribuí-la à ausência das marés, pois registra-se a livre penetração delas quando sobe.

Exemplar florido de "Avicennia schaueriana" (mangue preto ou siribeira)

Nessa amostra, que se estende por ambas as margens, só foi avistado o caranguejo-aratu ("Goniopsis cruentata"). Com a finalidade de protegê-la, a Prefeitura de Rio das Ostras cercou-a com tela. A recuperação foi surpreendente, mas é preciso adotar medidas mais rigorosas para a restauração e a revitalização do manguezal.

A outra mancha de manguezal razoavelmente contínua localiza-se nas imediações da foz. Essa consiste numa estreita passagem entre elevações rochosas por onde o rio se aperta para atirar-se ao mar. Na parte interior, o rio se bifurca em dois braços – um largo e outro estreito – que se juntam na desembocadura.

No lado direito, há um canal que permite a entrada de água salina, alimentando uma considerável população de mangue preto. Junto a uma área por onde circula a água (lavado), há alguns exemplares bem desenvolvidos dessa espécie com raízes adventícias modestas sem caracterizar estresse acentuado. Esse fragmento é habitado pelo caranguejo-uçá ("Ucides cordatus"). Os vários barcos ancorados no rio indicam a existência de pessoas vivendo da pesca marinha.

A vitalidade das plantas desse manguezal pode ser constatada pela rebrota das árvores cortadas, pela floração, frutificação e produção de sementes (propágulos) de três espécies típicas de tal ecossistema no Sudeste-Sul do Brasil e pela existência de vários indivíduos jovens com distintas idades tentando recolonizar as áreas que potencialmente integravam o manguezal no passado. Apesar de toda a agressão, trata-se ainda de um ecossistema mais perturbado que degradado. Em outras palavras, ele apresenta condições de autorregeneração onde o substrato está desimpedido.

Exemplo de autorregeneração do manguezal em área em que ainda se lança lixo

No estudo "Fitossociologia de florestas de mangue plantadas e naturais no estuário do Rio das Ostras, Rio de Janeiro, Brasil", de Elaine Bernini, Cristina de Fátima Nunes do Rosário dos Santos, Frederico Lage-Pinto, Gabriele Paiva Chagas e Carlos Eduardo Rezende ("Biotemas", 27 (1): 37-48, março de 2014), mostra-se análise comparativa entre bosques naturais e bosques plantados de manguezal, no rio das Ostras, entre março e dezembro de 2010. Confirma-se que o manguezal do estuário desse rio é um dos mais pressionados por fortes tensores do Estado do Rio de Janeiro, tendo perdido grande área em função da urbanização, de obras de dragagem, de retilinizações e de drenagem. O conjunto desses tensores alterou o regime de circulação hídrica e atingiu profundamente a vegetação nativa típica de manguezal. O descontrolado e acelerado processo de urbanização trouxe como consequência não apenas a redução da área do manguezal, mas também o lançamento de esgoto doméstico "in natura", pneus, plástico e latas, principalmente no trecho do curso entre a ponte da rodovia RJ-106 e a desembocadura.

No entanto, o poder público e a comunidade podem colaborar com sua recuperação desacelerando, em primeiro lugar, os fatores de destruição até freá-los por completo. Na fase de reversão, cumpre a retirada do lixo nele lançado, por meio de campanhas educacionais; a construção de interceptores marginais que conduzam o esgoto para locais apropriados ao seu tratamento; a contenção da expansão urbana em direção ao rio e, se possível, a retirada das casas que invadem a área do manguezal; e o plantio de espécies de mangue.

Do ponto de vista turístico e educacional, podem ser construídas passarelas de madeira sobre os lavados, devidamente adaptadas ao ecossistema. Esse tipo de atividade é perfeitamente compatível com o manguezal, desde que se evitem os estabelecimentos comerciais e os sanitários sobre as passarelas. Inclusive, perto da foz, uma passarela já foi construída. Em outros termos, a destruição de manguezais por sociedades humanas é um processo de caráter cultural e histórico.

Passarela sobre trecho do manguezal próximo à foz. Foto do autor.

O poder público do Município de Rio das Ostras, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca e do Comitê de Estudos Ambientais, desapropriou e cercou áreas remanescentes de manguezal e implantou nelas um programa de reflorestamento e de revitalização do ecossistema. Esse programa, que começou em 2003, contou com a participação de escolas, de organizações não governamentais, de associações de moradores e da comunidade em geral. Pode-se afirmar que o município de Rio das Ostras assumiu uma posição pioneira na restauração de manguezais fora da zona metropolitana do estado do Rio de Janeiro, tendo se tornado uma referência para as Regiões dos Lagos, Norte Fluminense e Sul Capixaba.

Cerca de alambrado para proteger o manguezal. Foto do autor

Ainda com base no estudo supracitado, o plantio de espécies exclusivas de manguezal estendeu-se da desembocadura do rio a áreas situadas a montante da ponte da RJ-106. A floresta natural, contudo, apresenta desenvolvimento estrutural mais consistente do que as florestas plantadas.

O programa de reflorestamento vem apresentando bons resultados. Ele tem respeitado a ordem de abundância das espécies nativas, embora pareça não observar o critério de zonação. O mangue branco revela dominância e densidade relativa em relação às demais espécies, quer na floresta natural, quer na floresta plantada. Na floresta plantada, o mangue vermelho apresentou maior dominância e densidade relativamente à floresta natural. Por sua vez, o mangue preto ocorre mais na floresta plantada. Na natural, essa espécie predomina na desembocadura do rio.

Estreita foz do Rio das Ostras. Foto do autor

Volto a salientar que a "Avicennia germinans" tem o rio Macaé como seu limite meridional de distribuição. Poucos quilômetros ao sul, no Rio das Ostras, só "A. schaueriana" é encontrada. Até segunda ordem, a "A. germinans" não passa do rio Macaé para o sul. No entanto a "A. schaueriana" ocorre ao norte do rio Macaé. Por que? Trata-se de uma pergunta a ser respondida pela pesquisa.


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