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Ribeirão de Tatagiba (I)


Por Arthur Soffiati

Por sua dimensão natural, o ribeirão de Tatagiba é o maior e mais volumoso curso d’água entre os rios Itabapoana e Guaxindiba. Ele tem nascente e foz em terreno de tabuleiros, uma formação geológica entre a zona serrana e o mar, podendo formar falésias pelo embate do mar diretamente nela ou contar com estreitas praias e planícies em sua frente. Hoje, discute-se bastante a origem e a idade dos tabuleiros, tecnicamente conhecidos por Formação Barreiras ou Série Barreiras. Acreditava-se na sua origem continental, mas hoje aventa-se a possibilidade de ter origem marinha. As barreiras se formaram entre o Mioceno Superior e o Plioceno, algo em torno de 10,4 a 1,16 milhões de anos.

Na Formação Barreiras, existem afloramentos do lençol freático que geram nascentes e cursos d’água. Nos tabuleiros entre os rios Itapemirim e Guaxindiba, existem vários córregos que nascem e têm foz inteiramente nesse tipo de terreno. No atual território de São Francisco de Itabapoana, de norte para sul, correm os seguintes: lagoa Salgada, lagoa Doce, Guriri, Tatagiba, Buena, Barrinha e Manguinhos, quase todos com afluentes. Quase todos se encontram com foz barrada por ações antrópicas. Esse tipo de barramento aconteceu no ribeirão de Tatagiba.

Com as mudanças climáticas do Holoceno, que começou cerca de 11.700 anos antes do presente, os tabuleiros em questão passaram a ser recobertos pela Mata Atlântica em sua feição estacional semidecidual, ou seja, por florestas que perdem suas folhas entre 20 e 50% na estação seca. Pode-se presumir como eram esses córregos quando cercados por essa floresta. Ela deveria fixar o solo reduzindo a erosão e o assoreamento. Mesmo assim, a baixa declividade do terreno devia fazer esses cursos formarem remansos e áreas embrejadas.

Manoel Martins do Couto Reis visitou esse território no final século XVIII. Ele era conhecido como Sertão das Cacimbas. Por ele passaram os naturalistas Maximiliano de Wied-Neuwied (1815), Auguste de Saint-Hilaire (1818) e Johann Jacob von Tschudi (1857). Couto Reis registra, no seu mapa, o rio Guaxindiba e outro pequeno córrego na enseada da Lagoa Doce ou do Retiro, além de algumas lagoas. Ele deve ter se movimentado na costa do Sertão no final do século XVIII, pois não informa sobre o interior. Mas seu mapa assinala florestas que deveriam se estender para o interior. Esse mapa acompanha seu famoso relatório (Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis - 1785. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011).

Mapa Topographico do Districto dos Campos Goytacazes 
Manoel Martins do Couto Reis - 1785

Wied-Neuwied (Viagem ao Brasil. São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1940) e Saint-Hilaire (Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1974) cruzaram uma bela floresta e brejos entre Manguinhos e a fazenda de Muribeca, nas margens do rio Itabapoana. Tschudi (Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1980) registrou uma queimada em desenho, também se referindo a grandes florestas. Em mapa de 1858-1861, Pedro D’Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob de Niemeyer (Carta chorographica da Provincia do Rio de Janeiro), além do rio Guaxindiba, aparecem mais seis pequenos rios sem nome. Eles estão em posição correspondente a Buena, Tatagiba, Guriri, Lagoas Doce e Salgada. O sexto está numa posição que não permite identificação. Todos os mapas do século XIX e princípio do século XX seguirão este, considerado um marco na cartografia brasileira. 


Carta chorographica da Provincia do Rio de Janeiro - 1858-1861

Nas cartas do IBGE (1968), o ribeirão de Tatagiba aparece com o nome de brejo Baixa do Arroz, no trecho inicial, e brejo do Largo no trecho final. 

Folha Barra Seca 1:50.000. IBGE 1968. O Córrego Baixa do Arroz/Ribeirão 
de Tatagiba é o curso d’água mais longo.

As vastas florestas foram cortadas ou queimadas. O solo ficou exposto a intempéries. Desenvolveu-se nos tabuleiros uma economia agropecuária predatória do solo e da água, com o uso de insumos químicos. Os córregos de tabuleiros sofreram forte assoreamento, sendo barrados em vários pontos por proprietários rurais exatamente para a obtenção do que eles ofereciam de forma abundante e gratuita quando eram cobertos pela mata: água. O assoreamento as barragens criaram brejos. Para agravar, as estradas municipais e estaduais também se transformaram em sólidas barragens. No máximo, foram instalados bueiros subdimensionados sob elas para a passagem apertada da água. As atividades de lavra das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) também deram significativa contribuição para degradar e embrejar mais ainda os ribeirões. Das extensas matas restam hoje apenas alguns fragmentos, sendo o maior deles protegido pela Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba.

Especificamente, o ribeirão de Tatagiba teve sua foz foi barrada pela atividade de lavra. Ele engordou sem sua saída para o mar. Os moradores da localidade de Tatagiba, na praia de mesmo nome, juntamente com a prefeitura, abriram uma vala num trecho do ribeirão para que a água excedente fosse escoada para o mar. Trata-se de uma vala estreita que funciona como foz alternativa e se mantém aberta o ano inteiro. Sem ela, a água se acumula com as chuvas e transborda sobre lavouras, pastagens e estradas.

Bacia de Tatagiba assinalada em azul. O sistema hídrico chega ao mar apenas por um estreito canal. Mapa Google Earth

Mas cumpre registrar outra questão afeta à bacia do Tatagiba: a urbanização.  


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