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'Tinha patrão, hoje tenho cliente': as diferenças de ser doméstica no Brasil e nos EUA

 "Patrão vem como uma autoridade, como 'você faz aquilo que eu estou falando', não é como uma igualdade. Eu senti isso na pele e minha mãe também sentiu isso muito forte. Cliente é diferente. O cliente te respeita, te olha nos olhos, te valoriza, reconhece o seu esforço e o seu trabalho. E ele te paga por isso e paga bem."

Para Paula Costa, de 53 anos e faxineira em Boston há mais de 20, a diferença entre ter "patrões" e ter "clientes" é um dos pontos fundamentais que distinguem a experiência de ser uma trabalhadora doméstica no Brasil e nos Estados Unidos.

Ela conhece essa diferença na própria trajetória. Filha de doméstica, começou na profissão aos 9 anos, sem receber nada por isso, como uma dessas meninas que são "pegas para criar" por famílias mais ricas, ganhando moradia em troca de trabalho, que conciliava com a escola.

Nos Estados Unidos, começou como ajudante de faxineira e atualmente tem seu próprio negócio, sendo ela agora quem às vezes contrata ajudantes para dar conta do serviço.

"Eu sou uma empreendedora, tenho uma companhia pequenininha, mas ela é minha. 'Beehive' é o nome dela, colmeia em inglês, porque se eu tiver alguém trabalhando para mim, nós vamos ser unidos, eu não vou explorar ninguém, a gente vai trabalhar junto e se valorizar. Por isso botei esse nome."

'Nos EUA, trabalho doméstico é serviço caro'

A doutora em Educação e ex-faxineira Heloiza Barbosa lançou em março de 2020 o Faxina, um podcast que conta as histórias de faxineiros e faxineiras brasileiras que trabalham nos Estados Unidos.

"O trabalho doméstico aqui tem categorias diferentes: tem aquele que lida com a limpeza de casa, o que lida com os cuidados das crianças, o das cuidadoras de idosos, o de cozinha e o de manutenção da casa funcionando", enumera Heloiza, que vive nos Estados Unidos desde 1997.

"São serviços contratados e são serviços caros, se você está acostumado no Brasil a pagar muito pouco por isso", explica a pedagoga. "Aí já tem uma diferença: a ideia de serviços prestados, ou seja, você não é empregado de alguém como o trabalhador doméstico é no Brasil, você é dono da sua empresa e vende o serviço para a pessoa que te contrata."

A diferença parece bastante óbvia com relação a uma trabalhadora doméstica brasileira mensalista, que presta serviços a uma pessoa ou família de forma contínua, mediante um salário fixo. Mas Heloiza afirma que a dinâmica também é distinta do trabalho das diaristas, profissionais autônomas que atendem famílias diversas, sem vínculo empregatício.

"No Brasil, você paga a diária da pessoa para ela fazer absolutamente tudo dentro de uma casa. Se você fosse transpor isso para os Estados Unidos, seria muito caro, porque são várias categorias de serviços, então é uma coisa que muito poucas famílias podem pagar."

Sem proteção social

A apresentadora do Faxina Podcast destaca, porém, que isso não significa que as domésticas que trabalham nos Estados Unidos contem com maior proteção social.

"Estamos falando de um sistema capitalista, onde o trabalhador só tem valor enquanto tem força de trabalho para vender", afirma. "Não há benefícios sociais, férias remuneradas, aposentadoria, direito a dias de afastamento por doença. Simplesmente, se não trabalha, não ganha."

O valor pago por uma faxina varia de acordo com o tamanho do imóvel e a frequência com que ele é limpo. Em Boston, por exemplo, para uma casa típica de classe média, com três quartos e dois banheiros, a limpeza fica em torno de US$ 120 a US$ 140 (de R$ 610 a R$ 710).

Na cidade, cujo mercado de faxina doméstica é dominado pelas imigrantes brasileiras (muitas delas sem documentação para trabalhar), a limpeza, em geral, é feita por um grupo de duas ou três faxineiras, que concluem o serviço em poucas horas e seguem para outra residência.

Brasil, maior empregador doméstico das Américas

Além da forma de trabalhar, há outra diferença grande no mercado de trabalho doméstico dos dois países: o número de pessoas ocupadas nesse tipo de função.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Nações Unidas dedicada ao tema, o Brasil é o segundo maior empregador doméstico do mundo, atrás apenas da China, que ocupa o topo da lista, com 22 milhões de trabalhadores domésticos, representando 2,9% de sua força de trabalho.

Por aqui, em 2019 — antes, portanto, da pandemia do coronavírus —, os trabalhadores domésticos eram 6,3 milhões (ou 6,8% da força de trabalho). Assim, o país superava em número de profissionais o México (2,4 milhões e 4,3% da força de trabalho) e os Estados Unidos (1,9 milhão e 1,2%), sendo o maior empregador doméstico das Américas.






Fonte: BBC News Brasil 

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