Por Arthur Soffiati
Embora correndo em área plana da nascente à foz, o Imbé é um rio serrano. Seu curso é antigo e se orienta em sentido paralelo ao sopé da Serra do Mar, que, no norte fluminense recebe o nome de Imbé. Esse rio coleta as águas que descem da serra nos pequenos rios do Norte, Opinião e Mocotó. Na sua bacia, organizaram-se os municípios de Trajano de Moraes, onde se situa a sua nascente, Santa Maria Madalena e Campos dos Goytacazes. Juntamente com o pequeno rio Urubu, ele desemboca na lagoa de Cima.
Na planície aluvial do norte fluminense, era muito comum a existência de defluentes naturais que extravasam água de cheia do rio Paraíba do Sul formando áreas de expansão (lagoas) em terrenos baixos, como o caso do canal natural do Cacumanga. Nas zonas serranas e nos tabuleiros, sistemas hídricos formados por rios e lagoas são mais raros, mas existem. Na serra, o exemplo mais conhecido é o dos rios Imbé e Urubu formando a lagoa de Cima, que deflui pelo rio Ururaí, que, junto com o rio Macabu, desembocam na lagoa Feia, que, por sua vez, chegava ao mar pelo rio Iguaçu, no século XX substituído pelo canal da Flecha, aberto pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) na década de 1940.
Toda a bacia do Imbé-Urubu-Lagoa de Cima era coberta de matas densas e úmidas. O Imbé era também um rio sinuoso nas imediações de sua foz. As florestas e os meandros absorviam parcialmente as cheias provocadas por chuvas. Contudo, as matas foram sendo suprimidas na parte baixa e nas encostas da Serra do Mar, facilitando a erosão dos terrenos, que ficaram expostos, o carreamento de sedimentos para o leito do rio e da lagoa de Cima e a turbidez das águas. Posteriormente, o DNOS canalizou o curso final do rio Imbé para abreviar o escoamento de suas águas para a lagoa de Cima. O resultado foi o aumento das virulência das cheias, que passaram a ser enchentes em todo o complexo sistema hídrico, a exemplo do que aconteceu em 2008-2009.
No lugar das matas, avançaram as lavouras e os pastos. O último remanescente de mata ombrófila densa atlântica que restou na parte alta da serra foi teoricamente protegido pelo Parque Estadual do Desengano, criado em 1970. Mas o desmatamento prosseguiu e ainda ocorre em menor escala. Nas partes planas, estradas foram construídas nas áreas de expansão do rio, ou seja, em seu leito maior, leito de cheia. Com passagens subdimensionadas sob elas ou mesmo sem qualquer tipo de passagem, essas estradas se transformaram em verdadeiras barragens.
Entre dezembro de 2012 e março de 2013, A região do Imbé, que não se restringe apenas ao rio Imbé, mas a toda zona serrana da margem direita do rio Paraíba do Sul em seu trecho final, sofreu com fortes chuvas. Aliás, as chuvas atingiram outros locais do que denomino Ecorregião de São Tomé. Na margem esquerda do rio Muriaé, Cardoso Moreira e Três Vendas enfrentaram enchentes devastadoras.
Em 18 de novembro de 2012, a Folha da Manhã registrava: “Na semana passada, 10 municípios ficaram em estágio de Atenção dentro do Sistema de Alerta de Cheias, do Instituto Estadual do Ambiente (INEA). São eles: Campos dos Goytacazes, Cardoso Moreira, Bom Jesus do Itabapoana, Santo Antônio de Pádua, Natividade, Italva, Porciúncula, Laje do Muriaé, Itaperuna e Macaé”, a bem dizer os pontos analisados no primeiro artigo dessa série de quatro.
Nos vales dos rios Imbé e Urubu, o mesmo jornal ainda na edição do dia 18 de novembro, noticiava: “Uma cratera foi formada em uma parte da estrada que liga a localidade do Imbé a BR-101. Com o rompimento da estrada, cerca de 200 famílias teriam ficado totalmente isoladas. O major Edison informou também que assim que o nível da água baixar mais, as obras de recuperação da estrada serão iniciadas. ‘Agora é esperar para que o nível do rio Urubu baixe, para que novas manilhas sejam recolocadas no local’. A estrada rompeu devido à forte chuva que caiu na região e, por isso, desde então, o tráfego no local se encontra interditado.
A estrada de terra batida foi construída na área de expansão do rios Urubu e Imbé sem bueiro devidamente dimensionado para fluxo hídrico. A rigor, pela legislação vigente e pelo prisma científico, nada pode ser construído na faixa marginal de proteção de um rio ou de uma lagoa. No caso da estrada em questão, o rompimento ocorreu tanto no rio Urubu quanto no rio Imbé, sendo mais desastroso neste segundo. A força das águas represadas por ela acabou por rompê-la e causar a morte de três pessoas. Extravasadas numa vasta várzea, elas perderam força.
Tão logo possível, a prefeitura de Campos apressou-se em reconstruir a estrada no mesmo local, agora ampliando o bueiro com duas sequências de manilhas tubulares de concreto. As estradas de saibro ainda guardavam água das chuvas, e obras temerárias estavam sendo efetuadas em barreiras junto à estrada, criando paredes em inclinação de 90° que poderiam ruir.
Um breve exame da paisagem revela acentuado desmatamento, ainda que em área proibida pelo só efeito da lei, como em encosta e topo de morro.
O agravante é que tanto as obras viárias quanto o desmatamento situam-se na zona de amortecimento do Parque Estadual do Desengano.
Quando da vistoria do autor deste artigo, em 21 de março de 2013, o rio Imbé já havia retornado ao seu nível médio. Porém, muita água de chuva e de transbordamento estava retida em várzeas marginais ao rio, dando a elas o aspecto mais próximo do original em tempos de chuva. No entanto, a economia agropecuária ocupou essas áreas de risco.
Ainda no âmbito do que se entende por região do Imbé, o site Ururau de 4 de fevereiro de 2013 noticiava: “Moradores de Lagoa de Cima estão preocupados com a cheia que atinge a região. Segundo eles, há cerca de uma semana, as águas começaram a subir e rapidamente chegaram, em alguns pontos, há menos de um metro de invadir algumas residências. O subsecretário de Defesa Civil, Major Edison Pessanha, confirmou que as águas que chegaram à lagoa de Cima vieram da região serrana do município, principalmente em Sossego do Imbé, onde comunidades chegaram a ficar isoladas, e também confirmou que o Inea teria aberto as três comportas do Canal do Itereré, fechando duas posteriormente e que o órgão municipal já teria solicitado o fechamento da terceira.”
Esse tipo de nota de imprensa não é entendida sequer pelo seu redator e muito menos pela maioria dos leitores. É preciso decifrá-la. O rio Preto é o único rio com nascente na vertente externa da Serra do Mar que desemboca no rio Paraíba, em sua margem direita. Todos os outros nascem na vertente interior da serra, voltada para o rio. Havia uma peculiaridade notável no rio Preto: ele desembocava no Paraíba do Sul e, ao mesmo tempo, tinha um braço defluente em sua margem direita que desembocava no rio Ururaí. Em tempos de cheia, ambas desembocaduras eram acionadas pelo próprio rio. A foz do rio Preto no Paraíba situava-se no ponto em que os sistemas Paraíba do Sul e Ururaí se nivelam. Logo abaixo, o sistema Ururaí passa a correr em nível mais baixo.
O Departamento Nacional de Obras e Saneamento desativou a foz do rio Preto no Paraíba do Sul e canalizou o braço que o ligava ao rio Ururaí, criando, assim, o canal de Itereré. Ele liga o Paraíba do Sul ao Ururaí e fluxo do primeiro para o segundo, ainda recebendo as águas do rio Preto regulado por comportas. A figura abaixo mostra a configuração do sistema hídrico construído pelo DNOS. Toda água que desce da serra por ele flui para o rio Ururaí. O aumento de volume com as chuvas provoca o fenômeno de refluxo. As águas sobem pelo Ururaí até a lagoa de Cima e podem causar enchente. Daí a importância de se controlar a vazão do canal Itereré por meio de comportas. No início de 2012, o temor dos moradores de Lagoa de Cima era esse.
As chuvas continuaram caindo em toda a região do Imbé e o Ururaí elevava seu nível, informou a Folha da Manhã em 27 de março de 2013. Também o Ururau registrava o aumento de nível do rio no mesmo dia. A enchente de 2008-2009 ainda estava presente na memória dos moradores.
Acrescente-se que a foz do Ururaí na lagoa Feia, como noticio jornal Ururau no dia 10 de abril de 2013, retardando o fluxo d’água: “A foz do está fechada pela vegetação, dificultando a drenagem do rio Ururaí. O nível do rio continua estabilizado em 3,52 metros, ultrapassando o nível de transbordo, que é de 3,50 metros” A Defesa Civil responsabilizava o Inea por não ter feito a devida limpeza da lagoa Feia, com a remoção das plantas flutuantes, principalmente aguapé. Moradores informaram que a foz do rio Ururaí tem 120 metros de largura. “Mas só há três metros para passagem. A vegetação tomou mais de 95% da foz. O trecho necessita de limpeza com urgência.”
Em março de 2012, também houve enchente no rio Mocotó, afluente do rio Imbé.
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Fontes de consulta
- FOLHA DA MANHÃ, Estrada do Imbé continua interditada. Campos dos Goytacazes, 18 de novembro de 2012.
- FOLHA DA MANHÃ. Defesa Civil: nível do rio Ururaí sobe e famílias podem ser retirados. Campos dos Goytacazes, 27 de março de 2013
- G1 INTER TV SERRA, LAGOS E NORTE. Moradores de Imbé, em Campos, RJ. Reclamam de mau estado de estrada. 04/02/2013.
- URURAU. Aumento do nível do rio Ururaí deixa moradores com medo da cheia. Campos dos Goytacazes, 27 de março de 2013.
- URURAU. Força da água rompe estrada e localidade do Imbé está ilhada. Campos dos Goytacazes, 16 de novembro de 2012.
- URURAU. Foz do Rio Ururaí fechada pela vegetação e secretarias fazem vistoria. Campos dos Goytacazes, 10 de abril de 2013.
- URURAU. Nível da Lagoa de Cima sobe rapidamente e assusta moradores da região. Campos dos Goytacazes, 04 de fevereiro de 2013.
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