News

6/recent/ticker-posts

Pesquisadora diz que pico da covid-19 no Brasil ocorrerá entre abril e maio

Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress
Quando chegou ao Brasil, em fevereiro, o mais recente coronavírus que emergiu na China encontrou uma equipe de pesquisadores preparada, que já trabalhava com o agente causador da dengue, dominava uma técnica de mapeamento genético rápida e não perdeu tempo para mergulhar no sequenciamento das amostras de vírus colhidas dos primeiros pacientes atendidos na cidade de São Paulo.

À frente desse grupo está a médica Ester Sabino, paulistana de 60 anos, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IMT-FM-USP) e coordenadora do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde), financiado pelo Medical Research Council, do Reino Unido, e pela FAPESP.

Embora reconheça que começou a trabalhar com coronavírus por acaso, não é a primeira vez que ela faz esse tipo de trabalho. No início da década de 1990, quando trabalhava no Instituto Adolfo Lutz (IAL) e na Fundação Pró-Sangue, Sabino participou do sequenciamento das variedades de HIV encontradas no Brasil. Nos anos seguintes, ela articulou grupos de pesquisa em transfusão de sangue e doenças tropicais para seguir 2 mil pessoas com doença de Chagas e outras 3 mil com anemia falciforme, que ela estuda desde 2006.

O sequenciamento genético do coronavírus trouxe uma fama repentina aos pesquisadores desse grupo - dos 27, 17 são mulheres e 14, bolsistas apoiados pela FAPESP -, que se tornaram entrevistados frequentes em jornais, rádio e televisão durante semanas.

A seu ver, o que deve acontecer com a epidemia do novo coronavírus no Brasil?

Como a transmissão desse vírus é muito rápida e difícil de ser contida, aqui deve ocorrer o mesmo que na Itália e no Reino Unido. É impossível estimar o número de casos, mas temos ainda um mês ou dois antes de a epidemia complicar. O pico deverá ser entre o fim de abril e começo de maio, que é o auge das doenças respiratórias no Brasil. Espero que não junte com o aumento também no número de casos de dengue. Seria uma confusão total. 

Estamos no meio de uma epidemia grande de dengue [182 mil casos no país, dos quais 61 mil no estado de São Paulo, e 32 mortes de janeiro ao início de março de 2020]. Temos de aprender com o que os outros países estão fazendo e ver o melhor momento de fechar escolas, museus e outros espaços públicos, para não ficar abrindo e fechando até o perigo passar. É difícil definir o momento de tomar atitudes mais drásticas, e mais difícil ainda quando é um vírus novo, que não se conhece bem. A Inglaterra está parando agora, mas está com mais casos que o Brasil e já com transmissão interna. A Itália já parou. O maior problema são os hospitais.

Por quê? Porque podem ser focos de transmissão do vírus. Em Wuhan, na China, muitas pessoas infectadas foram para os hospitais e transmitiram o vírus para outras. Por isso, é importante não ir para o hospital sem necessidade. Não há sistema de saúde do mundo que dê conta de atender muita gente ao mesmo tempo. Muitos morreram na China porque não havia médicos ou respiradores para atender a todos ao mesmo tempo. A maioria das pessoas tem um caso de gripe, que passa em alguns dias. Temos de deixar os hospitais apenas para os casos mais graves.

Como vocês conseguiram fazer o sequenciamento do genoma dos dois primeiros casos de coronavírus no Brasil em dois dias? 

Conseguimos principalmente por causa da organização do trabalho. Tecnologia de sequenciamento genético rápido está disponível desde a epidemia de Ebola, na África, em 2013. Aprendemos com a epidemia de zika, a partir de 2016, com Nick Loman, da Universidade de Birmingham, do Reino Unido. Como precisávamos de amostras boas de vírus, Ingra Morales Claro, aluna de doutorado que oriento e então tinha acabado de se formar, foi para Ribeirão Preto e coletou 100 amostras de pacientes com suspeita de zika, dos quais 16 deram positivo. Era já o fim da epidemia.

Podemos não só detectar vírus que já conhecemos, mas também identificar agentes desconhecidos, por meio de uma técnica chamada metagenômica. Desde 2016 estamos treinando pessoas para usar essa técnica. Ingra passou seis meses em Birmingham e demos muitos cursos. Para o coronavírus, trabalhamos para adaptar os primers e diminuir o custo, de US$ 500 [R$ 2,2 mil] para US$ 20 [R$ 89].

Como conseguiram? Processando mais amostras de cada vez. Antes fazíamos só uma amostra, agora são 20 por vez. Diminuímos o tempo de cada análise e podemos usar mais o flow cell, um chip descartável. Com essa técnica, no final de 2019, começamos a trabalhar com o IAL no sequenciamento de vírus da dengue. Quando o coronavírus apareceu na China, Nick fez os primers, mandou para a China e para nós também. Vimos que teríamos de encontrar forças para fazer também o coronavírus. O papel da universidade é também desenvolver tecnologia para os órgãos da saúde, que fazem as coisas andarem, principalmente em momentos de crise.

Com as sequências genéticas, e já são mais de 250 depositadas no Gisaid, pudemos ver as semelhanças entre os vírus identificados em cada um dos mais de 100 países em que já foi encontrado. Essa informação pode ajudar, principalmente no começo, para direcionar ações de saúde, identificando os focos a partir dos quais se deu a transmissão e tomando as medidas de precaução, com o isolamento de lugares públicos.

Mas só conseguiremos fazer isso se formos capazes de detectar os casos rapidamente. Não é fácil. Por enquanto, quase todos os casos no Brasil vieram de outros países, mas podem semear a epidemia. Temos de ver também como casos de transmissão local serão contidos, se é que serão.




Carlos Fioravanti | Da Revista Pesquisa Fapesp
Viva Bem | Uol

Postar um comentário

0 Comentários