Por Arthur Soffiati
Proclamam os epistemologistas que uma tese só é científica se for refutável. Em ciência não há dogmas. O conhecimento científico avança por desconstruções e reconstruções. A primeira tese consistente sobre a formação da planície fluviomarinha do norte fluminense foi formulada por Alberto Ribeiro Lamego em 1945-55. O ponto inicial dela foi um continente diante de um mar raso que foi aterrado progressivamente por sedimentos carreados pelo rio Paraíba do Sul. Ao mesmo tempo em que constrói uma planície, o rio cria um leito sobre ela que desemboca na altura do futuro cabo de São Tomé por um delta do tipo pé de ganso, com braços longos. No terceiro estágio, o leito do rio se bifurca em ponto distante do mar, dirigindo-se o novo braço para a foz atual. Por fim, o primeiro delta vai sendo colmatado e o rio se estabiliza no segundo braço que entra no mar por dois canais: Atafona e Gargaú (“O homem e o brejo” e “O homem e a restinga. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Conselho Nacional de Geografia, 1945-46 e “Carta geológica do Brasil”, escala 1:100.000, folhas Campos (2708), Cabo de São Tomé (2709), Lagoa Feia (2744) e Xexé (2745). Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura/Departamento Nacional da Produção Mineral/Divisão de Geologia e Mineralogia, 1954).
Fase 1 da tese formulada por Alberto Ribeiro Lamego sobre a formação da planície dos Goitacazes
Última fase da tese formulada por Alberto Ribeiro Lamego sobre a formação da planície dos Goitacazes
A tese mais recente, formulada em diversos artigos e consolidada em livro em 1997, foi formulada por quatro geólogos (MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José Maria Landim e FLEXOR, Jean-Marie. “Geologia do Quaternário costeiro do litoral do norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo”. Belo Horizonte: CPRM, 1997). O ponto inicial da formação da planície é um grande continente com dimensões maiores que o atual. Portanto, a linha de costa avançava mais no mar que a atual. Embora os autores não se detalhem esse antigo continente, a hipótese mais provável aponta para a Formação Barreiras (tabuleiro). Examinando um mapa geológico, verifica-se a existência de uma pequena unidade dessa Formação em Quissamã, contígua à lagoa Feia, e uma grande unidade entre os rios Paraíba do Sul e Itapemirim, como se elas, no passado, formassem um terreno contínuo. Os rios deveriam correr nas partes mais baixas. Foi por eles que o mar transgrediu no Holoceno, erodindo os tabuleiros na sua parte central. A título de ensaio, elaborou-se um mapa para ilustrar esse antigo continente.
Suposta feição geológica da atual planície fluviomarinha do norte fluminense no início do Holoceno. Concepção do autor sobre o mapa Mapa Geomorfológico. Projeto RadamBrasil, 1983
A mais forte evidência de que a transgressão marinha holocênica entre a restinga de Jurubatiba e o rio Itapemirim invadiu uma área de tabuleiros é a inexistência de qualquer formação pedregosa na longa costa entre os rios Itapemirim e Macaé. Por outro lado, escavações na planície topam com remanescentes de tabuleiros, assim como a única ilha entre Macaé e Marataízes – a das Andorinha – sugere um ponto elevado de tabuleiros. Além do mais, restam, na calha do Paraíba do Sul, remanescentes de tabuleiros.
O segundo ponto no processo de formação da Planície dos Goitacazes é a transgressão marinha (avanço do mar sobre o continente) entre 7.000 e 5.100 anos antes do presente (AP) até alcançar as bordas da zona serrana em Itereré e formar uma laguna cercada de ilhas. Era, na verdade, uma semilaguna aberta para o mar na qual desembocavam os rios Paraíba do Sul, Muriaé, Imbé e Macabu.
Primeira fase da formação da planície fluviomarinha do norte fluminense segundo Martin, Suguio, Dominguez e Flexor - 1997
No terceiro momento, o mar começou a recuar (regressão marinha) cerca de 5.100 AP. Os rios avançaram transportando sedimentos oriundos da zona serrana e dos tabuleiros (progradação). O momento inicial da formação da planície corresponde aos primórdios das civilizações mesopotâmica e egípcia, as mais antigas conhecidas. Formou-se, assim, uma nova extensão do continente com sedimentos de origem continental complementado por areia transportada pelas correntes marinha e retidas pelo espigão hídrico dos rios Paraíba do Sul e do Iguaçu. Este segundo, derivado do próprio Paraíba do Sul. A restinga de Jurubatiba já existia, datando a sua formação de 123 mil anos.
Segunda fase da formação da planície fluviomarinha do norte fluminense segundo Martin, Suguio, Dominguez e Flexor - 1997
A nova configuração continental estava praticamente concluída em 2.500 anos AP, deixando claro que a dinâmica continental e marinha continuam operando mudanças, mas sem o registro de eventos monumentais. Recentemente, a erosão costeira, nesta planície e em outros pontos do mundo tem se acentuado em virtude da elevação do nível do mar como resultado das mudanças climáticas.
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