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Mangue e humanos: ribeirão de Buena (SFI)

 

Por Arthur Soffiati

Venho tomando como referência três mapas organizados em século distintos para analisar as mudanças ambientais que se operaram no território correspondente ao atual município de São Francisco de Itabapoana, sobretudo com relação aos manguezais, pois, entre os rios Itabapoana e Paraíba do Sul, que delimitam o município, existem nove pontos em que crescem manguezais ou que são propícios ao desenvolvimento deles. No rio Itabapoana cresceu o segundo maior manguezal da região, a qual se estende dele até o rio Macaé, mesmo sofrendo invasão urbana e despejo de esgoto e lixo. No rio Paraíba do Sul, ainda viceja o maior manguezal do norte fluminense e certamente o segundo manguezal do estado do Rio de Janeiro. No novo defluente da lagoa Doce, mudas de mangue já começam a se fixar. Na foz de Guriri, um mangue estiolado resiste à pressão imobiliária. Em Tatagiba, um manguezal vingou e cresceu. Em Buena, ele se recuperou das agressões cometidas pelas Industrias Nucleares do Brasil. Em Barrinha, mudas de mangue tentam se fixar. Em Manguinhos, os poucos exemplares foram desarraigados, mas o ambiente ainda é favorável à fixação de mudas. Em Guaxindiba, eles resistem com vigor.

O mapa desenhado por Manoel Martins do Couto Reis, de 1785, não registra o córrego de Buena. O de Bellegarde e Niemeyer, de 1861, estampa o córrego de forma elementar sem lhe dar qualquer nome como referência. Na Folha Barra Seca, do IBGE, 1968, o córrego aparece como um complexo hídrico embrejado. No fim do seu curso, ele recebe dois afluentes e chega ao mar por uma barra que corre de sul para norte, ao contrário da orientação de outros desaguadouros. Cabe notar que a corrente marinha predominante na região se oriente de norte para sul.

Ribeirão Buena na folha Barra Seca. IBGE, 1968

Um manguezal formado pelo mangue branco (Laguncularia racemosa) e mangue vermelho (Rhizophora mangle) cresceu no estuário do rio. Embora, as marés altas alcancem o córrego no seu final, quando ele se alarga formando uma espécie de lagoa, predomina a água doce, que não permitiu, até o momento, a fixação da siribeira (Avicennia germinans). Nas margens do estirão final, a vegetação de restinga predomina, com rabo-de-galo (Dalbergia ecastophyllum), guaxuma (Hibiscus pernamucensis), inimboi (Guilandina Bonduc), aroeira (Schinus terebinthifolius), quixaba (Sideroxylon obtusifolium) etc. Como os demais córregos de São Francisco de Itabapoana, o de Buena está embrejado. Por isso, é chamado pela população de brejo.

O grande impacto sofrido pelo ribeirão Buena foi o barramento da sua foz por iniciativa das Indústrias Nucleares do Brasil para acumular água doce e impedir o avanço da cunha salina das marés. A finalidade foi armazenar água doce em grande volume para realizar a operação de lavagem de terras e separar delas os minérios de seu interesse: monazita, ilmenita, berilo, rutilo etc. Trata-se da fase úmida. As terras imprestáveis foram acumuladas na praia, formando um alto monte. A barragem da foz foi feito por um paredão com um cano pouco abaixo da coroa, funcionando como ladrão. A água doce se acumulou, formando uma lagoa sem oscilação de nível, pois o ladrão regulava o volume hídrico. Ao mesmo tempo, as marés não atingiam o sistema. 

As plantas de mangue foram afogadas em caráter permanente. Os exemplares de mangue branco dispararam logo raízes anômalas provenientes do caule, acima no nível estabilizado da água. Delas, partiram raízes respiratórias (pneumatóforos). A espécie foi forçada, diante das mudanças antrópicas, a se adaptar rapidamente às novas condições para sobreviver. O mangue vermelho não sofreu tanto por já respirar acima do nível d’água.

Raízes anômalas em mangue branco no ribeirão Buena (1998). 
Foto do autor

Pneumatóforo (raiz respiratória) partindo de raiz anômala em mangue 
branco no ribeirão Buena (1998). Foto do autor

O barramento da foz foi denunciado e a usina da INB teve de retirá-lo. O córrego voltou a fluir normalmente com saída de água doce e entrada periódica das marés. O encontro de ambas novamente voltou a formar um estuário. O local foi abandonado. O mangue branco voltou a colonizar a foz do ribeirão. A vegetação de restinga misturou-se ao bosque de mangue. No entanto, exemplares sobreviventes do tempo do barramento conservaram raízes anômalas como memória das condições adversas.

  Exemplar de mangue branco remanescente do tempo em que a foz do ribeirão Buena foi barrada. Observar a touceira de raízes anômalas. Foto do autor (09/08/2021)

Atual aspecto do bosque de mangue branco na foz do ribeirão Buena. 
Foto do autor (09/08/2021)

Restos da barragem e do cano encontram-se abandonados dentro d’água. Não foi possível localizar nenhum exemplar de mangue vermelho e de siribeira. Os proprietários rurais cercaram a foz com arame eletrificado. É preciso conhecer o caminho que permite chegar ao local. Pela sua recuperação, uma Unidade de Conservação é perfeitamente factível para proteger a foz, o bosque de mangue e a mata de restinga.


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