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Recuperados da Covid-19 travam luta silenciosa para tratar sequelas

Quanto mais prolongada a internação, maiores são os riscos de infecções hospitalares e complicações; para especialistas, é preciso que o poder público invista na reabilitação
Foto: Alex de Jesus
Para pacientes com quadros graves de Covid-19, sobreviver ao vírus pode ser apenas o começo de um lento e longo processo de recuperação. Além de possíveis sequelas provocadas pela doença, a permanência em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, em casos mais severos, a dependência da ventilação mecânica podem fazer com que muitas pessoas necessitem de acompanhamento profissional para reaprender a andar, respirar e voltar a se alimentar como antes. Para especialistas, é preciso que o poder público invista na reabilitação dos pacientes da Covid-19 após a alta hospitalar.

Na última semana, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) anunciou que Minas Gerais ultrapassou a marca 200 mil recuperados da doença, mas a pasta não tem dados de quantos precisam de reabilitação. Especialistas do Reino Unido calculam que 45% dos pacientes hospitalizados por Covid-19 demandem assistência médica e social após a alta, e 4% necessitem de reabilitação em ambiente de leito – em Minas, desde o início da pandemia, mais de 24 mil pessoas ficaram internadas na rede pública ou privada.

O hospital salva vidas, mas agora precisamos devolver a vida a esses pacientes. É claro que a maior parte dos casos é mais leve, mas há um grande número de pessoas que vai precisar de um tempo para recuperar todo o status de antes da Covid. Pode levar uns três, até seis meses para a recuperação completa”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR), Eduardo de Melo Carvalho Rocha.

Segundo ele, os pacientes têm demandado o trabalho de uma equipe multidisciplinar. "A gente já não estava preparado para os pacientes de antes da pandemia, sempre faltou vaga, mas vejo agora um grande esforço para termos mais leitos para reabilitação e processos de recuperação", diz. "O Brasil, principalmente o Sistema Único de Saúde (SUS), é muito heterogêneo. Em cidades menores, há mais dificuldade", completa.

Quanto mais prolongada a internação, maiores são os riscos de infecções hospitalares e complicações. De acordo com o coordenador de UTI do Hospital Lifecenter, o infectologista e intensivista Guilherme Lima, os pacientes que precisam de ventilação mecânica sofrem muito os efeitos da terapia intensiva, porque, em alguns casos, precisam ficar sedados com medicações em doses altas e paralisados por um longo período. 

Os pacientes perdem muita massa muscular, ficam desnutridos, muitos saem da UTI bem fragilizados no que diz respeito à força do corpo”, pontua. Segundo ele, estudos apontam que, para cada dia que uma pessoa passa sedada na UTI, são necessários três dias de recuperação.

Conforme o médico, a própria Covid-19 ainda pode aumentar o risco de pacientes desenvolverem outros problemas, como doenças trombóticas, embolias no pulmão, infartos e derrames.

"Quando se tem um acometimento pulmonar muito importante, às vezes ocorre uma pneumonia dos dois pulmões, a síndrome do desconforto respiratório. A pessoa pode ter mais dificuldades para executar atividades que antes fazia com destreza e ficar mais cansada por um tempo. Não é algo específico da Covid, mas, na atual condição de pandemia, ela é a principal causa", afirma Lima, ressaltando que um retorno pleno da capacidade funcional pós Covid é, sim, possível com o tempo.

Aos poucos

O motorista Adriano Gonçalves, 58, passou 48 dias internado no Hospital Keralty Barreiro, em Belo Horizonte, após contrair o coronavírus, sendo 21 dias intubado. Ele teve alta no dia 11 de julho e, ainda hoje, está afastado do trabalho, fazendo fisioterapia com profissional três vezes por semana. Pelo plano de saúde, também tem acompanhamento de nutricionista, fonoaudiólogo e psicólogo. “Voltei para casa não sendo nem 20% do que eu era, minha esposa tinha que me dar comida na boca”, conta. Mas, devagar e com o acompanhamento certo, ele já percebe evolução: no início, precisava de cadeira de rodas. Hoje, consegue caminhar com muleta. Dos 24 kg que perdeu no hospital, já recuperou 17: “É um processo lento, mas, graças a Deus, estou bem melhor”.

Projeto da UFMG vai auxiliar o tratamento

O projeto Reabilitação Pulmonar, criado em 2019 na UFMG para atender pessoas com doenças pulmonares crônicas, como asma e fibrose cística, vai começar a atender pacientes recuperados da Covid-19. Alunos de graduação do curso de fisioterapia participavam dos atendimentos, trabalhando exercícios como caminhadas e subida de escadas, aliados a técnicas que reduzem a sensação de falta de ar. Com a pandemia, os estudantes passaram a fazer um telemonitoramento dos pacientes e, recentemente, foram treinados para realizar a reabilitação a distância, por vídeo, acompanhados de um fisioterapeuta.

Agora, o projeto está realizando avaliações funcionais de pacientes recuperados do coronavírus. Eles estão sendo acompanhados por uma outra pesquisa, coordenada pela professora Carolina Marinho, da Faculdade de Medicina. “Eles são potenciais pacientes para a reabilitação pulmonar, por conta do acometimento respiratório, muitos ficaram em ventilação mecânica por muito tempo. Não é um dado oficial, mas a gente percebe que existe, sim, uma perda funcional”, afirma o professor do Departamento de Fisioterapia da UFMG Marcelo Velloso, coordenador do Reabilitação Pulmonar. 

Sequelas: Na pesquisa coordenada pela professora Carolina Marinho, da Faculdade de Medicina da UFMG, um primeiro grupo de pessoas (35) que vem sendo acompanhado pelos pesquisadores relatou, um mês após a alta de internação por Covid-19, sentir dor e sintomas de ansiedade e depressão.

Impactos:  Elas também sentiam fraqueza nos braços, fadiga e falta de ar. Pelo menos um terço teve a capacidade para realizar esforço físico reduzida.

PBH assiste pacientes após alta

A oferta de serviços de reabilitação para pacientes recuperados da Covid-19 não tem sido suficiente na rede pública, de acordo com o presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 4ª Região, Anderson Coelho. “Era para ser uma coisa automática a continuidade do atendimento pós-alta hospitalar, mas acabam enquadrando esses pacientes como eletivos, e eles caem na fila de espera comum. Quanto antes os pacientes iniciam a intervenção, melhor é o resultado”, afirma.

A Prefeitura de Belo Horizonte informou que estabeleceu um fluxo específico para acompanhar pacientes graves de Covid-19 que necessitam de cuidados após a alta. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, esse acompanhamento será realizado nos centros de saúde pelas equipes de saúde da família. Os pacientes serão encaminhados, se necessário, para as equipes do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) ou outros apoios. A ideia é que as pessoas já deixem o hospital com consulta agendada na atenção primária.

A Secretaria de Estado de Saúde informou que os serviços de acompanhamento dos pacientes são realizados pelas unidades hospitalares onde eles estão internados. A Fhemig disse que não conta com unidade de reabilitação em Covid-19.








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