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Coronavírus se espalha pelo interior do Rio, onde capacidade limitada de atendimento médico preocupa

Paulo César Correa Dias, de 50 anos, levou dez dias de internação na Santa Casa de Bom Jardim, no interior do estado. Quase morreu de Covid-19, relata ele, ainda assustado.

Tomei cloroquina, ivermectina. Um dia, o médico disse que eu tinha de ficar de bruços. Perdi a consciência, fui desenganado — conta Paulo César, um dos moradores de Ribeirão das Almas, distrito de Bom Jardim.

Cercado de plantações de flores, seu ganha-pão, imagina que a doença atingiu sua família porque, para vender o que produz, ele tem que estar na Cadeg do Rio duas vezes por semana. O teste deu positivo no hospital, depois de dois dias de dor no corpo, febre e falta de ar. A mulher, Cláudia Constantino, de 47 anos, também se contaminou. Ficou isolada em casa enquanto o marido esteve internado.

Não dá para entender como um vírus que veio lá da China chegou até minha casa — diz Cláudia, que cedeu um quarto na semana passada à mãe da nora, que está vivendo de cesta básica, o novo drama dos agricultores da região diante da perda de clientes e da incapacidade de escoamento da produção.

O povo não fala mais comigo, não. Acha que eu vou passar a doença — lamenta Paulo César.

A cidade, assim como outras da região, fez barreira sanitária até a semana retrasada. Com febre, o viajante era encaminhado ao hospital. Agora, diz o secretário municipal de Saúde, Cláudio Alberto Spitz, a contaminação está sendo considerada familiar. Um centro de testagem identifica os casos. Mesmo com o resultado negativo, o paciente recebe um kit contendo ivermectina, azitromicina e Predsin.

Como o governo federal delegou aos estados, e os estados aos municípios, não há um protocolo que una toda a rede. Como também não há comprovação alguma da eficácia desses remédios na profilaxia— afirma o pesquisador da Fiocruz Diego Ricardo Xavier.

Migração da capital

O diretor da Santa Casa do município, Alan Rodrigues de Barros, atesta que, como indicam os números gerais, os casos no município aumentaram. Para ele, o fato de muitos moradores da capital terem optado por períodos temporários ou mesmo pela mudança para cidades pequenas explica o aumento. Sua tese está em consonância com dados do Ministério da Saúde, que aponta um percentual de infectados de 42% nas capitais e de 58% no interior do país.

Temos aqui um vírus que ataca o que há de mais sensível no organismo. Nós damos a profilaxia (o kit), mas não dá para dizer que aquilo vai resolver. Não há garantia de eficácia nem de melhora —reconhece Spitz.

Outro caso que chama a atenção no município, cujo prefeito, Antônio Gonçalves, também foi contaminado, é o do motorista Antônio José de Oliveira, de 65 anos. Há mais de 40 dias com uma taxa viral alta, acima de 7, ele é assintomático, mas faz parte do que os estudiosos chamam de grupo supertransmissor.

Quando apareço, todo mundo sai correndo. É bom que ninguém vem me cobrar dívida — brinca Antônio José, que mora numa área rural mas, às vezes, vai ao Centro.

A filha e a mulher de Antônio José tiveram sintomas da doença. E as duas seguem cuidando do neto do motorista, de apenas 2 anos.

Em cidade pequena, Seu Antônio tem um FBI atrás dele. É só alguém vê-lo que ligam para o hospital. Mas, no interior, ainda há pessoas que não acreditam no coronavírus, acham que é invenção política — diz a enfermeira Fernanda Pinheiro.

Nas praças de Bom Jardim e de cidades do entorno, especialmente nas áreas rurais, é possível ver idosos jogando cartas sem máscaras, despreocupados com a pandemia.

Até pouco tempo, ninguém usava máscara. Sofria preconceito se colocasse uma — conta Edmar da Batata, fornecedor de verduras e legumes que é apontado como o primeiro caso na cidade — ele ficou em estado grave e recebeu atendimento num hospital particular de Nova Friburgo.

No começo da semana passada, Nova Friburgo entrou na chamada bandeira vermelha, por causa da preocupação com sua capacidade de leitos. O comércio voltou a fechar e as máscaras se tornaram obrigatórias. Muitas, no entanto, são vistas apenas no queixo dos moradores. O hospital de campanha que seria montado na cidade está com a estrutura pronta, porém não será aberto. O secretário de Saúde, Marcelo Braune, que também é vice-prefeito, afirma que vem negociando com unidades privadas uma ampliação dos leitos. Na sexta-feira, o número de mortos chegou a 56. Por conta da alta de pacientes, Nova Friburgo voltou à bandeira amarela.

No final de maio, fizemos um grande evento na cidade para arrecadar recursos às pessoas com a Covid-19. Três dias depois tive os sintomas. Aos 27 anos, sofri uma parada cardíaca. Achei que ia morrer — lembra o radialista Leonardo Corguinha.




Fonte: O GLOBO

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