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Dor do crescimento ou artrite idiopática juvenil: como distinguir?

As duas condições afetam crianças e adolescentes, e é importante ficar atento às diferenças

No consultório dos ortopedistas é comum chegar crianças com queixa de dores nas pernas, especialmente à noite. O relato das mães é quase sempre o mesmo: durante o dia a criança brinca normalmente, corre, joga futebol, vai à escola. À noite, porém, surge aquela dor inexplicável, que a criança não consegue nem mesmo dar a localização exata. Trata-se da chamada dor do crescimento.

As mais atingidas são crianças a partir dos 3 ou 4 anos e até os 10 anos de idade, fase considerada de primeiro estirão. Crianças sedentárias também são muito afetadas. Normalmente, a dor surge nas pernas, na região das coxas e panturrilhas. É uma dor difusa, frequente ou esporádica. Às vezes a criança pode até acordar com a dor. Porém, no outro dia ela está totalmente normal. Além da queixa não existem outros sinais, como febre, edema, perda do apetite e manchas na pele.

Também não há uma explicação totalmente comprovada da causa, mas, as teorias mais aceitas são que a fadiga muscular ou a grande atividade de impacto provoca dor próxima às áreas de crescimento. Alguns médicos acreditam que se trata de um desequilíbrio no ritmo de crescimento dos ossos, tendões e músculos: um pode se desenvolver de forma mais acelerada que outro; quando se igualam, a dor para.

O problema pode ter ainda um componente emocional. É o caso da entrada ou mudança de escola, ou mesmo o nascimento de um novo irmãozinho. Normalmente não é necessário estabelecer um tratamento para essas dores. Entretanto, se a situação for constante e a dor muito intensa, um médico deve ser procurado para aprofundar a investigação e garantir o crescimento saudável da criança. Entre os tratamentos mais indicados estão as massagens e compressas quentes, usadas para aliviar essas dores. Também há a orientação da criança iniciar a prática de exercícios regulares.

E se for um sintoma de Artrite Idiopática Juvenil?

Os pais, porém, devem ficar atentos já que a criança pode estar com algum problema mais complexo, entre eles, a chamada Artrite Idiopática Juvenil, também denominada Artrite Reumatoide Juvenil. Doença inflamatória crônica, ela acomete as articulações e outros órgãos, como a pele, os olhos e o coração.

A principal manifestação clínica é a artrite, caracterizada por dor, aumento de volume e de temperatura de uma ou mais articulações. Cabe ressaltar que em algumas crianças a dor é mínima ou até mesmo inexistente. Caracteristicamente ela inicia sempre antes dos 17 anos de idade. A incidência da Artrite Idiopática Juvenil é desconhecida em nosso país, mas dados provenientes de países da América do Norte e da Europa indicam que cerca de 0,1 a 1 em cada 1.000 crianças têm essa doença.

A causa exata da Artrite Idiopática Juvenil também não é conhecida. Fatores imunológicos, genéticos e infecciosos estão envolvidos nesse processo. Estudos recentes mostram que existe uma certa tendência familiar e que alguns fatores externos, como certas infecções virais e bacterianas, o estresse emocional e os traumatismos articulares podem atuar como desencadeantes da doença. A artrite, porém, não é uma doença infectocontagiosa e os pacientes podem (e devem) frequentar normalmente creches, escolas, clubes e piscinas.

Como identificar a Artrite Idiopática Juvenil

O seu diagnóstico é clínico e baseia-se na presença de artrite em uma ou mais articulações com duração igual ou maior a seis semanas. Várias doenças, como por exemplo, as infecções, devem ser pesquisadas e descartadas, uma vez que a artrite é manifestação comum em várias doenças não reumáticas.

Além da dor e da inflamação articular, pode ser observada uma certa dificuldade na movimentação ao acordar (rigidez matinal), fraqueza ou incapacidade na mobilização das articulações, além de febre alta diária (> 39º C) por períodos maiores do que duas semanas. Não existem exames laboratoriais específicos para esta doença. Nos casos de dúvida diagnóstica a opinião de um especialista pode ser de grande auxílio.

Outra característica é que existem três tipos mais comuns: pauciarticular (ou oligoarticular), poliarticular e sistêmico.

No tipo pauciarticular são acometidas até quatro articulações, sendo os joelhos e os tornozelos as mais frequentes. Crianças com este tipo de doença devem fazer avaliações oftalmológicas a cada 3 ou 4 meses, uma vez que a úvea (o colorido dos olhos) pode estar inflamada sem que haja qualquer sinal visível.

No tipo poliarticular, cinco ou mais articulações são envolvidas, com destaque para os joelhos, tornozelos, punhos, cotovelos e pequenas articulações das mãos e dos pés. Pode haver febre intermitente e o exame laboratorial Fator Reumatoide está presente em cerca de 10% dos pacientes.

Já o tipo sistêmico tem caráter insidioso e caracteriza-se pela presença de artrite associada à febre alta em um ou dois picos diários (= 39º C), erupção na pele (rash cutâneo), gânglios, serosite (inflamação da pleura e do pericárdio) e aumento de fígado e baço ao exame clínico.

Alguns pacientes, especialmente aqueles com o tipo pauciarticular e com fator antinúcleo (FAN) positivo, podem apresentar uveíte crônica, ou seja, uma inflamação em um ou nos dois olhos. A uveíte é, geralmente, assintomática e podem ser observadas complicações como glaucoma, catarata e até mesmo diminuição da visão, especialmente quando o diagnóstico é tardio. Daí a importância da detecção precoce através de exames oftalmológicos periódicos (biomicroscopia), a cada 3 ou 4 meses. A uveíte pode aparecer antes, simultaneamente ou anos depois da artrite.

Como tratar Artrite Idiopática Juvenil?

Uma boa relação entre médico, paciente e familiares é fundamental para que o tratamento tenha sucesso, uma vez que a sua duração é prolongada. Deve ser individualizado e envolve educação sobre a doença, controle da inflamação e da dor através do uso de medicamentos e prevenção de deformidades.

A reabilitação (fisioterapia) é muito importante desde as fases iniciais da doença e em alguns casos pode ser necessário o acompanhamento psicológico. O início do tratamento deve ser precoce; nos casos de demora pode haver comprometimento da cartilagem articular, acarretando deformidades e limitações físicas irreversíveis.

É importante ressaltar que cada tipo de Artrite Idiopática Juvenil tem um tratamento específico e o esquema terapêutico pode variar de um paciente para o outro, de acordo com as suas manifestações clínicas. Os medicamentos utilizados inicialmente são anti-inflamatórios não-hormonais (aspirina, naproxeno e ibuprofeno), úteis no alívio da dor. São utilizados diariamente e recomendam-se sua ingestão após as refeições para evitar efeitos indesejáveis como náuseas, vômitos e dor epigástrica.

Outros remédios, chamados drogas de base (ou de segunda linha), são acrescentados gradualmente nos casos de inflamação persistente, ou seja, má resposta aos anti-inflamatórios não-hormonais e visam controlar e até mesmo cessar a inflamação. Os mais utilizados são a hidroxicloroquina (ou o difosfato de cloroquina), a sulfassalazina e o metotrexato.

Novas terapias biológicas também são recomendadas para os pacientes com má resposta às medicações acima citadas. São utilizados por via parenteral (subcutânea ou endovenosa) e podem ser observados efeitos adversos como hipersensibilidade (fenômenos alérgicos no local da aplicação ou sistêmicos) e maior suscetibilidade a infecções, especialmente virais. De um modo geral deve-se evitar a aplicação de vacinas de vírus vivos em pacientes em uso de corticosteróides e imunossupressores. Converse sempre com o seu médico antes de administrar vacinas no seu filho.

Artrite Idiopática Juvenil tem fim?

Em muitos pacientes a doença é controlada até o final da adolescência. No entanto, alguns podem apresentar doença crônica com períodos de melhora e piora que persistem até vida adulta. Nestes casos deve ser feita uma transição lenta para o Reumatologista de adultos. Muitos adolescentes são ?rebeldes? ao tratamento e devem ser conscientizados quanto à importância do uso contínuo de medicamentos.

A responsabilidade, que sempre é dos pais ou responsáveis até os 18 anos de idade, deve ser transferida gradualmente ao paciente de maneira firme e segura. A interrupção sem orientação médica pode ter consequências sérias e irreversíveis, como piora da inflamação, deformidades articulares irreversíveis, destruição da cartilagem e piora da capacidade física. Os pais devem checar a ingestão dos medicamentos e conversar com os filhos sobre a doença, reforçando a importância do tratamento, especialmente nos casos de pacientes adolescentes.

A fisioterapia, aliás, é fundamental para a manutenção e recuperação da mobilidade das articulações acometidas e deve ser iniciada assim que possível. Seu principal objetivo é reabilitar o paciente para a realização das atividades diárias rotineiras, através do fortalecimento dos músculos, alongamento de tendões e aumento da amplitude de movimento articular. Métodos que utilizam calor e frio são válidos para o controle da dor, especialmente nas fases iniciais da doença.

O fisioterapeuta poderá orientar a família na utilização de adaptações para uso em tarefas diárias (alimentação, escrita) e na realização de exercícios em casa. As crianças devem ser estimuladas a ter uma vida mais saudável. A prática de esportes deve ser supervisionada por um especialista em reabilitação e as articulações protegidas contra possíveis traumatismos.

Esportes com impacto como o futebol e o vôlei devem ser evitados nas fases iniciais do tratamento, enquanto a natação deve ser estimulada. Outra preocupação deve ser com os aspectos emocionais da criança com artrite. A doença crônica tem um impacto em várias dimensões da vida da criança e dos familiares: aspectos físicos, emocionais, sociais, educacionais e econômicos. Com isto a dinâmica da família pode alterar-se significativamente.

A troca de informações entre o paciente, seus familiares, o reumatologista pediátrico e os demais profissionais relacionados (fisioterapeuta e psicólogo) é fundamental para que este impacto seja minimizado.

Os pais devem estar atentos, uma vez que poderão ser observadas modificações no comportamento da criança com artrite, especialmente devido à presença da dor e diminuição da capacidade física. Algumas podem ficar tristes enquanto outras sentem raiva de intensidade variável. No âmbito escolar, o professor deve ser orientado sobre a doença. As necessidades pessoais deverão ser avaliadas e respeitadas. Uma vez que a incapacidade física tem melhora lenta, as atividades intelectuais e artísticas devem ser estimuladas e valorizadas.





Escrito por Tatiana Hasegawa | Reumatologia - CRM 103415/SP | Minha Vida

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