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Cresce a violência em ambientes escolares com agressões de alunos contra professores

Divulgação
Em uma pesquisa sobre violência nas escolas, o Brasil é apontado como recordista mundial nesse tipo de agressão. Este ano, em Campos, o período letivo começou com uma notícia que causou revolta e críticas. No dia 21 de fevereiro, a diretora do Ciep Nação Goitacá, no distrito de Goytacazes, foi parar na Delegacia de Polícia, onde acusou um aluno adolescente do ensino médio, de agredi-la e ameaçá-la. O jovem foi autuado por desacato e lesão corporal e suspenso da escola por alguns dias. A vítima não quis dar entrevista. Nas redes sociais, profissionais da educação comentaram que a violência no ambiente escolar tem sido cada vez mais frequente e banalizada. Para enfrentar a situação há muitos desafios.

Denunciar a violência na escola é um passo importante, mas entre os professores, funcionários e estudantes há temor e preocupação com represálias dos agressores. A reportagem buscou ouvir profissionais que sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho. Apenas a professora Carla Elize Rocha não se importou em ser identificada, mas pediu para que os nomes das escolas onde teve problemas com alunos fossem omitidos. Carla disse que já teve pneu furado, carro arranhado, sala de aula invadida, agressão física, intimidações e ameaças por parte de alunos.

Em duas escolas estaduais de Campos, durante cinco anos, Carla Elize passou por momentos difíceis no ambiente de trabalho. “São muitos acontecimentos. Lembro de ter repreendido um aluno em sala e ter meu carro arranhado logo em seguida. Uma vez, um ex-aluno visivelmente drogado, pulou o muro da escola, entrou na minha sala, me agrediu verbalmente e, como eu não me intimidei, ele me xingou e cuspiu no meu rosto. Ele dizia que pertencia ao tráfico de drogas local. Acionei a direção da escola e a Guarda Municipal. A Polícia Militar também interveio à época”, relatou a professora de ciências naturais.

De acordo com a professora Carla Elize, os profissionais que vivem na área onde funciona a escola acabam se omitindo, porque temem maiores conflitos fora do ambiente escolar. “Já tive alunos acompanhados por Juizado de Menores. Um deles tinha cometido um assassinato, mas a direção da escola não me comunicou. Aliás, este é um problema nas instituições. Faltam comunicação e planejamento. Há muitas escolas sem pessoal de apoio e sem segurança. Todos nós nos sentimos vulneráveis e ameaçados”. Para Carla Elize, o problema não acontece só em escolas públicas.

“Trabalhei em uma escola particular de São Francisco de Itabapoana. Certa vez, um aluno do 3º ano do Ensino Médio agrediu um outro do 7º ano. Eu denunciei o agressor à direção da escola e cobrei a presença dos pais. A direção preferiu botar panos quentes, e disse que era melhor deixar quieto, pois o pai e a mãe do adolescente tinham fama de violentos. O estudante me ameaçou dizendo que podia dar um tiro na minha cara, pois ele era menor de idade, e que não daria para ele judicialmente. A violência independe de classe social, de escola pública ou particular. A escola e o Estado precisam interferir, pois as crianças costumam reproduzir o comportamento inadequado dos pais”, analisa.

Uma outra professora de escola pública de Campos preferiu se identificar apenas com a letra “R”. Ela disse que o clima de medo e apreensão é comum em escolas estaduais. Em 2018, a professora sofreu ameaças de familiares de uma aluna que repreendeu em sala de aula. “Sou exigente e a estudante fazia uma outra tarefa durante minha aula. Chamei sua atenção, ela se levantou, saiu da sala, fez um telefonema e, momentos depois, a família inteira invadiu a escola e a minha sala me ameaçando. Fui xingada e ofendida. A direção da escola se omitiu. Disseram que a Regional de Educação e o Conselho Tutelar foram acionados. Porém, um encontro com os pais da aluna nunca aconteceu. Depois disseram que a menina tinha transtorno bipolar. O problema maior é que não há planejamento, trabalho preventivo e conscientização. O Estado é omisso. A escola não dá conta porque está sucateada ou não tem profissionais suficientes para limpeza ou segurança. As soluções só virão a médio ou longo prazo”, avalia “R”.

Secretaria de Educação

Foto: Divulgação/Guarda Civil Municipal
Após o episódio envolvendo a diretora do Ciep Goitacá, a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) informou em nota que não admite que os profissionais da Educação sejam agredidos. “Assim que tomou ciência do fato em que um aluno agrediu a diretora de um Ciep em Campos dos Goytacazes, o secretário de Estado de Educação, Pedro Fernandes, solicitou que a direção da escola e a Diretoria Regional relatassem o caso ao Ministério Público e ao Conselho Tutelar. Após ouvir os envolvidos e os órgãos competentes, a Seeduc decidiu suspender o aluno. Por fim, cabe destacar que a Secretaria de Estado de Educação não admitirá que os profissionais da rede sofram qualquer tipo de agressão e trabalhará para que esses atos não fiquem impunes. A Seeduc esclarece que já prestou todo o apoio necessário à diretora”.

Escolas municipais

O município fica a cargo de estudantes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental que são, em sua maioria, alunos mais jovens – crianças pequenas e adolescentes até o 9º ano. Sendo assim, pela natureza dos alunos próprios, a secretaria municipal de Educação, Cultura e Esportes (Smece) informou que não reúne estatísticas de casos com esse público. Ensino Médio é de responsabilidade do Governo Estadual ou Federal.

Segundo a Smece, ainda assim, essa questão é trabalhada nas escolas municipais. Entre os projetos, estão o Construindo Valores nas Escolas, dentro do Programa Saúde na Escola (PSE), e o Gentileza, que visa resgatar valores morais e humanizar relações através de atividades pedagógicas. “Estamos atentos e tomando medidas preventivas para garantir que valores sejam preservados no presente e ao longo da vida acadêmica desse aluno”, afirma o secretário de Educação, Brand Arenari.

A equipe de reportagem fez contato com a secretaria estadual de Educação, mas não recebeu retorno sobre o assunto.

Números

O último levantamento do Sepe-Rio sobre o assunto apontou que quatro em cada dez professores já sofreram algum tipo de agressão em sala de aula. A maior parte dos casos (39%) foi de agressão verbal. Outros 10% foram assédio moral e 6% dos casos têm a ver bullying. Agressão física, discriminação e furto representaram 5% dos casos cada.

A pesquisa apontou ainda que pais e responsáveis de alunos também são autores de agressões.

Brasil no topo do ranking

Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou o Brasil como o país com o maior número de casos de violência contra professores. Foram entrevistados mais de 100 mil professores e diretores de escolas do segundo ciclo dos ensinos Fundamental e Médio em 34 países. O levantamento que considerou dados de 2013 é o mais recente, já que uma nova pesquisa é aguardada para este ano.

O estudo, chamado Talis (Teaching and Learning International Survey) revelou que 12,5% dos professores entrevistados no Brasil disseram ter sofrido agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana, ocupando a pior posição nessa área dentre todos os países pesquisados, que apresentam a média de 3,4%. Colados no Brasil estão a Estônia (11%) e a Austrália (9,7%). Em uma realidade bem distinta da brasileira, Coréia do Sul, Malásia e Romênia apresentaram índice zero de violência contra os professores.

Especialistas

Como lidar nos casos em que professores, diretores e funcionários de escolas são agredidos por alunos? Alguns profissionais da área de educação apontam caminhos que podem ajudar a enfrentar esse tipo de problema. Para a pedagoga Ana Patrícia Crispim, desde o Ensino Fundamental há relatos de comportamento agressivo de alunos em relação aos professores e colegas de turma. Na maioria das vezes, falta apoio da família para educar em conjunto. “A questão do respeito e da autoridade do professor precisa ser revista pelas famílias. Tenho casos de professores que deixaram a profissão devido ao desgaste. O diálogo é a primeira tentativa de solução, mas, quando a violência extrapola, é preciso denunciar às autoridades competentes como o Ministério Público e o Conselho Tutelar. Os professores precisam ser apoiados e acolhidos pela comunidade escolar”, considera.

Já para Vanda Colares, formada em Pedagogia e Psicologia, é preciso atentar para a falta de limite de crianças e adolescentes. Para ela, percebe-se uma grande falta da família no papel de educar os filhos. Há casos de pais que transferem para outras instituições, como escola e igreja, a tarefa da educação. “A função da escola é ensinar e orientar. Constato que muitos pais terceirizaram essa função, que é deles, para outras pessoas, como os professores. A ausência das figuras de pai e de mãe para impor limites é notória. O adolescente está fazendo o que bem quer e por conta dele, sem o limite que deve partir dos pais”, analisa.

Com quase 30 anos de experiência, Colares diz que competem aos pais, primeiramente, ensinar aos seus filhos o que é respeito às outras pessoas. “Educar dá trabalho, dizer “não” dá trabalho e adolescência é mesmo uma fase difícil. A família e a escola não estão dando conta de orientar algumas crianças e adolescentes. Quando isso ocorre, a Justiça entra em cena. Muitos desses menores se envolvem com drogas e crimes e acabam parando no Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas). Faltam políticas públicas para crianças e adolescentes na cidade e no país. Os mais pobres e os negros estão entre os mais carentes do poder público. A escola ficou refém da violência. É aviltante um professor ser agredido. Quase sempre ele se vê sozinho. É preciso enfrentar o problema coletivamente e impor limites”, conclui.

Mais frequente do que imaginam

Agressões físicas e verbais em sala de aula são mais comuns do que se imagina, de acordo com a coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe-Campos), Odisséia de Carvalho.

Na análise da educadora, alguns fatores ajudam a aumentar o índice de violência contra os profissionais da Educação: falta de professores, que deixam salas de aula mais lotadas do que deveriam; falta de inspetores de alunos e ausência de política de governo específica para este fim.

“Também não podemos esquecer o aluno traz para a sala de aula o que vivencia no dia a dia. Intolerância e violência são um reflexo da sociedade na qual este jovem está inserido”, comentou Odisséia.

A coordenadora-geral destacou que o sindicato oferece apoio jurídico e assistência aos profissionais que sofrem agressão.

Por OCINEI TRINDADE e THIAGO GOMES / JTV

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